O patê do La Tambouille e a lavanda pós alcachofra!
Fui
para a escola, pela primeira vez, em 1977, quando tinha três anos. Meu pai dava
aula no Externato Jaraguá e foi pra lá que me levou. Minha primeira escola. Sem dúvidas, a melhor de
todas. Ela ficava na Rua Grécia, no Jardim Europa, em frente à casa da Marta
Suplicy, de seus três filhos e de seu, na época, esposo, o rápido e ligeiro
Eduardo Suplicy. Infelizmente, por uma decisão familiar, foi fechada em 1986.
Lembro-me como se fosse hoje, eu tinha onze anos quando fiquei sabendo que o
Jaraguá deixaria de existir. Lembro-me da reação dos alunos, dos professores,
dos pais dos alunos, do meu pai...ainda mais, pois ele, além da questão
emocional, pois gostava muito de lá, perderia seu emprego. Aquela escola era a
nossa casa. Nós, os alunos, os professores, os coordenadores, os bedéis, enfim,
todos, éramos, de verdade, uma família. Aqueles foram anos incríveis, sem
precedentes. E foi nessa escola que conheci a DLC, minha amiga há 27 anos. Não
vou revelar seu nome, pois não pedi permissão a ela para contar suas proezas
aqui no Blog, então, vou tratá-la, nessa crônica, apenas por DLC. Quando a
conheci, ela tinha doze anos. Eu tinha onze. Ela repetiu a antiga 5ª série do
ginásio e por isso acabamos nos conhecendo. Quando eu fui para a 5ª série,
ainda no Jaraguá, lá estava ela. Não teria jeito, ela teria que refazer aquele
ano. A DLC tem dois irmãos e uma irmã. Todos também estudaram no Jaraguá e os
três tinham tido aula de português com o meu pai...antes de nos conhecermos.
Mas nós só nos encontramos em 1985. E não nos desgrudamos mais. Infelizmente,
faz alguns anos que não nos vemos. Pouco nos relacionamos nos dias de hoje. As
nossas vidas seguiram rumos diferentes. Ela não conheceu a minha filha, que já
tem três anos e sete meses, e eu não conheci o filho dela, que acabou de fazer
três meses. Mas ela continua no meu coração, sempre presente. E eu sei que
continuo no dela. Um dia, nunca me esqueço, estávamos passando o final de
semana na casa do pai dela, que ainda era vivo, quando sua irmã nos disse que
um dia iríamos nos separar, que não nos manteríamos amigas, daquele jeito, para
sempre, pois era incerto
que as nossas vidas seguiriam o mesmo rumo. Na hora, descordamos, dissemos que
aquilo era um absurdo. Como poderíamos nos separar se éramos tão amigas e
unidas, inseparáveis mesmo? Mas também éramos muito jovens, sem experiência,
não sabíamos nada da vida. E foi o que aconteceu, o tempo passou, cada uma
seguiu seu caminho, conhecemos novas pessoas e acabamos nos afastando. Mas eu
tenho certeza de que, independentemente de como são as nossas vidas, ainda
podemos contar uma com a outra. Após essa sessão nostalgia, vamos ao que
interessa. A DLC sempre foi uma pessoa muito ímpar. Divertida, preguiçosa,
amiga, desligada, despreocupada,
um tanto hipocondríaca, um
pouco carente, mega carinhosa, ultra do bem, aventureira, maluquete, enfim,
poderia preencher o texto todo com suas características. Ela fazia o que dava
na telha. O mais engraçado é que nós éramos dois seres completamente
diferentes, mas as nossas diferenças nos uniam. Acho que sempre fui mais
observadora do que a DLC. Ela sempre “foi levando”, fazendo as coisas de forma
despreocupada, sem considerar a opinião dos outros. Provavelmente, a vida dela
foi e deve continuar a ser mais leve, menos vinculada, menos cheia de acúmulos
de obrigações. Sempre foi muito feliz e sempre deixava muito feliz quem estava ao
seu lado, por perto. Eu dei boas risadas com ela. Aliás, nós demos boas risadas
uma conta a outra. Bom, voltando ao Jaraguá, onde tudo começou, nessa escola
estudavam apenas pessoas da Classe A gargalhada. Eu, aliás, arriscaria dizer
que o PIB brasileiro estava altamente concentrado lá. Mas enfim, esses alunos,
como todo verdadeiro rico, de berço, eram muito simples. A família da DLC era
uma família abonada, mas não mega tradicional, como a maioria das outras
famílias lá da escola. A minha família? Nem preciso contar, né? Sempre fomos
muito ricos de espírito. E nós duas convivíamos com os quatrocentões, com a
elite paulista tradicional. Como éramos inseparáveis, só éramos amigas de quem
gostava das duas. Não tinha essa de cada uma ir para um lado. Sempre tínhamos
que estar juntas, mesmo que na casa de outras pessoas. E era nessas ocasiões,
geralmente, quando estávamos, juntas, na casa da família de alguma amiga
quatrocentona, que a DLC se superava com seus desligamentos da realidade. Era
fantástico. Quase narcísica, ela apresentava, em suas atitudes, um conceito
muito inflado de si mesma. Era muito bom ver tudo aquilo, vê-la rindo de si
mesma, sem constrangimento, apenas com muito, mas com muito bom humor mesmo. E
como o narcisismo constitui uma parte de todos nós desde o nascimento, não
havia nada de errado com ela. Ela fazia tudo na medida certa. E para poder
tornar perceptível essas situações descompromissadas pelas quais a DLC passou,
importante dizer, sem se abalar com nenhuma delas, vou racontar duas delas. Em
um sábado, uma amiga nossa, a EG, chamou-nos para almoçar. Seu pai, o OG, iria
passar na casa da sua mãe (os pais dela eram semi separados), pegá-la e levá-la para almoçar. Ela
nos chamou para irmos com ela. Bom, se ela tinha convidado nós duas, a DLC e
eu, então, tudo bem, iríamos acompanhá-la naquele almoço. E lá fomos nós...nada
de churrascaria, nada de lanchonete, que nada...fomos ao La Tambouille. Não
sabíamos nem contar aos nossos pais, posteriormente, onde tínhamos ido almoçar.
Éramos tão novinhas, tão pouco tradicionais. E, pensando bem, por que o OG nos
levou, três pré-adolescentes, para almoçar no La Tambouille? Eu mesma respondo.
Porque isso era algo normal para ele, super BAU, Business as Usual.
Talvez, se ele tivesse nos perguntado onde queríamos almoçar, teríamos respondido: no America, tio!
Se ele tivesse nos levado no América, já teria sido extasiante para nós. Para
mim então. Mas não, fomos mesmo ao Tambouille. Chegando lá, sentamo-nos em uma
mesa, a mesa de praxe do Sr. OG. Éramos apenas nós quatro. Mil copos, mil
pratos, mil talheres, tudo de mil em mil à mesa, impecável. Como lidar com tudo
aquilo? Eu, com a minha racionalidade, já tinha planejado tudo. Vou copiar quem
começar primeiro. O problema seria se a DLC resolvesse começar primeiro. O que
sairia dali? E não deu outra. Lá foi ela. O garçom havia colocado, sobre os
nossos pratos, uma pequeníssima louça cujo conteúdo interno era indeterminado. Concomitantemente,
também colocou, ao lado das facas, que, aliás, estavam perfeitamente dispostas,
do lado direito do prato, com os gumes voltados para ele, uma colher pequena. Sei
que as colheres de sopa do consumê ficam do lado direito dos prato, depois das
facas, mas aquela colherzinha, definitivamente, não era uma colher de sopa. Ela
era minúscula. Qual seria sua função, pensei eu? Mas a DLC não pensou.
Simplesmente, com um jeito quase que voluptuoso, em vendo a pequena colher,
pegou-a com a mão direita, pegou a louça com a mão esquerda e começou a comer o
conteúdo indeterminado de mini colher. Estaria ela fazendo a coisa certa,
analisei? Será que ela é a pessoa certa para ser imitada? Ela devia saber o que
estava fazendo, já que foi tão rápida no gatilho. De qualquer maneira, para
garantir, resolvi esperar um pouco mais. Já conhecia muito bem a minha amiga. E
fiz bem. A DLC mal tinha dado sua primeira colherada no conteúdo quando foi
interrompida pela EG. “Dani, não...isso é um patezinho. Você tem que usar a
colher para passá-lo no pão.” Que pão? Não havia pão à mesa. Ato contínuo...pensei
nisso e o pão chegou. A DLC ficou meio sem graça, mas se saiu bem. “EG, eu sei
que isso é patê, mas eu gosto de comê-lo assim. Não gosto de pão, pão engorda.”
Com esse discurso, deixou a EG sem graça. Eu, por minha vez, sabia que aquilo
tinha sido um improviso. A DLC adorava pão. O Sr. OG, experiente, bem
intencionado, para amenizar a lambança, não teve dúvidas, também pegou a
colher, o lindo potinho de louça e começou a traçar o patezinho, de um milhão
de dólares, do mesmo jeito que a DLC. “EG, disse ele...esse patê é tão gostoso
que se colocado no pão perde suas características. Experimente comer assim,
como a DLC está fazendo.” Gente que tem berço é outra história, né? Olha a
saída do Sr. OG para minimizar o moco da DLC. No final, todos nós, os quatro, não
comemos pães. Devoramos o patê de colherzinha mesmo. Inovamos por causa da
leveza da minha querida amiga. Pergunto...para que pão se podemos apreciar uma
especiaria francesa daquelas de uma forma tão singela? Não teríamos julgado tão
bem aquele conteúdo se não tivéssemos tido a oportunidade de devorá-lo in natura. A DLC, definitivamente,
contribuiu para a mudança na forma de se saborear patês no La Tambouille.
Genial. Meses depois, uma outra amiga nossa, também do Jaraguá, nos convidou
para ir dormir em sua casa. A MB morava em uma mega casa, bem perto da Cidade
Jardim, São Paulo. Ela era ótima, simples de tudo. Era até meio hiponga. Sabe
rico que não quer parecer rico? Era a MB. Uma graça. Bom, ela convidou as duas,
então, aceitamos. Não me lembro exatamente o motivo, mas eu fui parar na casa
dela depois do jantar lá de casa. Meu pai, meu santo pai, levou-me até lá depois
das 19h ou 20h. Quando cheguei na mansão, todos estavam à mesa, fazendo a ceia.
Devo ter chegado num horário inapropriado, mas não conhecia, profundamente, essa
etiqueta específica. Enfim, de qualquer maneira, como eles conheciam,
convidaram-me para sentar à mesa com eles. Obviamente, perguntaram-me se estava
servida, mas eu disse que não, pois não quis arriscar, embora o menu parecesse
requintado. Mas adivinhem quem estava lá, à mesa, feliz da vida, jantando
tranquilamente, como se estivesse em sua própria casa, cheia de traquejos? A
DLC, é claro. Ela tinha chegado mais cedo. Aproveitou para bater a boia aprimorada,
delicada da família da MB. E lá ficamos nós...uns comendo e eu...só observando.
Tinha muito que aprender. Por exemplo...como comer alcachofra de uma forma
fina? A flor exótica foi servida, como entrada, no centro de um prato grande. Ela
foi acompanhada de um molho. As folhas foram comidas com as mãos. O garfo e a
faca, médios, só foram usados para comer a parte final, onde as folhas estavam,
previamente, fixadas. Eu já tinha comido alcachofra lá em casa. Por sinal,
adoro essa delícia. Mas nunca tinha presenciado um ritual tradicional de sua deglutição.
Mega aprendizado. Após a alcachofra, serviram uma vasilha com água e uma fatia
de limão. Eu sabia o que era aquilo e para que servia. Nem sei porque sabia,
mas sabia. Saberia a DLC, pensei eu? E pela segunda vez, num ato impensado, a
DLC pagou um mico. Pegou a vasilhinha, ergueu-a...”não, DLC, não faça o que
estou achando que vai fazer, previ eu.” Mas não deu outra...ela tomou a água da
lavanda...quase que todinha. Imediatamente, veio-me à mente a cena ocorrida lá no
La Tambouille. Como será que vai ser dessa vez, ponderei? Alguém há de agir de
maneira chique, clássica, tradicional e não censurar a DLC pelo que tinha
acabado de fazer. E foi isso mesmo. Até olharam para ela, de forma
discretíssima, mas pareceram ignorar o ato. Usaram suas lavandas, para higienizar
suas mãozinhas, e, chiquemente, agiram como se nada tivesse acontecido. A DLC?
Mais uma vez se saiu bem. Quando viu que ninguém, além dela, havia bebido
aquela água, colocou a vasilha de volta na mesa e, sensatamente, imitou-os...também
higienizou suas mãos, que, certamente, estavam sujas por causa da lambança com
a alcachofra. Inenarrável!!! A DLC não é demais, é de vezes. Querida amiga,
quantas saudades de você e da sua perspicácia. Um pedaço, significativo, do meu
coração continua seu!!! Espero que continue irreverente, fazendo os que estão
ao seu lado muito felizes.
Só consegui terminar de ler hj. Muito bom. Achei que eu desse foras, mas sua amiga realmente tem presença de espiríto.
ResponderExcluirOla Loraine, desculpe te encomodar, mas procuro o teu pai e vc tambem pois estamos organizando um grande encontro dos alunos e professores do Jaragua, para ficar sabendo de tudo temos o grupo EXTERNATO JARAGUA ALUMNI, obrigada, Andrea Garcia
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