Empreguetes maluquetes!!!

Recordar, realmente, é viver. Sempre gostei muito de escrever. Por sinal, nunca precisei de motivos específicos para começar a espalhar letras pelos papéis. Mas dessa vez, ao longo desses últimos meses, com o meu Blog, tenho estado ainda mais animada com essa prática. As histórias da minha vida vem a tona sem que eu tenha que fazer muito esforço para lembrar delas. Meus pensamentos estão, deliciosamente, focalizados no passado. Estou, literalmente, revivendo-o. Os acontecimentos, descritos nos meus textos, não estão sendo agrupados de forma cronológica. Não tenho me preocupado em determinar as datas e a ordem dos fatos, mas apenas relatá-los para o meu deleite. O descompromisso tem sido a alma do negócio. Escrevo para mim mesma e se, de repente, agradar alguém, ótimo...estamos os dois no lucro. Mas enfim, toda essa epígrafe, toda essa escrita introdutória, para começar a contar a minha nova história velha. Nos últimos tempos, tenho estado muito com o meu irmão e com os meus sobrinhos. Muito mais do que jamais estive. Quando vejo a Laís interagindo com os pequenos, lembro-me muito da nossa infância que, embora muito boa, teve dias conturbados para nós dois. Meus pais sempre trabalharam muito, demais mesmo. Não me lembro deles em casa com a gente, nem à noite. Acho que isso nunca aconteceu. Lembro-me das idas e vindas da minha mãe, de lá pra cá, correndo, insanamente, todos os dias, para poder estar com a gente durante, pelo menos, as nossas refeições. No almoço, ela dava um jeito de estar lá. No jantar, nunca voltava a trabalhar sem que estivéssemos "alimentados". Eram quinze aulas por dia para cada um. Cinco pela manhã, cinco na parte da tarde e cinco entre às 18h e às 23h. Iam de escola em escola, da Zona Norte a Zona Sul. E nada de cafezinho ou bate-papo com os colegas nos intervalos...só muita comutação entre um lugar e outro. Um incôngruo, um disparate. Tudo isso para que nos dessem, a mim e ao meu irmão, uma vida menos sofrida, diferente da que eles tiveram quando crianças e adolescentes. Além dessas horas letivas de trabalho, faziam muitas horas extras quando tinham que corrigir provas e redações, quando tinham reuniões de planejamento, reuniões de país, quando tinham que falar com pais surtados, participar de feiras do livro, lidar com diretores e coordenadores limitados, entre tantas outras atividades, que os tiravam, ainda mais, do convívio com a gente. O Leandro e eu sempre entendemos essa distância. Como nunca vivemos de outra forma, não tínhamos parâmetro de comparação, então, não sofríamos com isso...não com isso. Por outro lado, embora tenham tido essa vida louca, sobretudo quando éramos menores, eles se faziam presentes de outras formas. A minha mãe, por exemplo, quando estava com a gente, era intensa. Sempre nos deu muito carinho, mesmo que não por meio de beijos e abraços. Essa prática mais melosa nunca fez seu estilo. O meu pai, querido, já um pouco mais meloso, chegava em casa do trabalho, sempre depois das 23h30, e, invariavelmente, passava em nossos quartos, ou só no meu quarto (depois entenderão o motivo), para nos dar um beijo. Isso quando não deixava alguns pacotinhos de figurinhas, dos nossos álbuns de figurinhas colecionáveis do momento, em nossas mesinhas de cabeceira. A minha mãe sempre acordou muito cedo, mesmo quando desnecessário. Todos os dias, durante a semana, ela nos acordava com uma musiquinha..."tá na hora de acordar...não espere a mamãe mandar..." Cantava enquanto nos colocava em seu colo, para que a gente acabasse de despertar. Que sensação boa, de proteção, de aconchego. Era o nosso ritual com ela. O meu pai nos ensinou a andar de bicicleta. Ele nos levava, nos fins de semana, ao antigo Jumbo, que ficava em frente ao Aeroporto de Congonhas. Havia um mega estacionamento na parte de fora daquele supermercado. Foi lá que aprendemos a cair e a nos levantar...com rodinhas e sem rodinhas. Que paciência daquele pai. Que infância ótima tivemos. Época boa. Mas nem só de flores vivemos nós dois. Como escrevi anteriormente, houve momentos difíceis. Meus pais não tinham com quem nos deixar enquanto trabalhavam suas longas horas diárias. Até tentaram ter empregadas em casa, mas aparecia uma mais louca do que a outra. Uma delas, a Ângela, uma maluca que comia com as mãos, deixou-me ficar ao lado do fogão enquanto fritava um ovo para comer. Conclusão? Tive queimadura de segundo grau na mão direita. A frigideira, com todo o óleo fervendo, virou em minha mão. Não contente com o ocorrido, ligou para a escola onde a minha mãe estava dando aula naquela noite e pediu para que avisassem que sua filha tinha se queimado. Assim, sem filtro algum, a notícia foi dada para a Dona Isabel. Ela, coitada, veio da Zona Norte para a Zona Sul em quinze minutos e quando chegou em casa, correndo, desacorçoada, espatifou-se no portão. Fomos as duas para o hospital. Lembro-me de uma outra, a Marli, que estava aprendendo a dirigir, então, sempre que tinha uma brecha, pegava a chave do carro do meu pai e dava uma voltinha com ele no quarteirão. A desculpa era a de que ela tinha que lavar a garagem, então, era necessário que o carro não estivesse dentro dela. Viemos a saber dessa história, por uma vizinha, mais tarde, quando ela já tinha roubado o meu pai e ido embora, no meio da noite de uma quarta-feira, deixando o Leandro e eu dormindo, sozinhos, em nossa casa. Quando os meus pais, nesse dia, chegaram do trabalho, surpresa...tinham sido roubados e nós, o Leandro e eu, estávamos sozinhos, eu com 6 e ele com apenas 2 aninhos. Foram tantas desmioladas que passaram pelas nossas vidas. Ainda que naquela época não se via, com crianças, ou pelo menos não se sabia, tanta maldade como vemos hoje. Mas, se pensarmos bem, o ser humano, mesmo que há mais de trinta anos, era o mesmo. Nascia bom por natureza, mas era corrompido pela sociedade, que é podre há séculos. Enfim, por tudo isso, um certo dia, a minha mãe resolveu dar um basta naquela situação. Quando eu fiz oito anos, eles decidiram que eu já podia ficar em casa sozinha à noite, cuidando do meu irmão. Mal sabiam eles que eu não podia não. Que eu morria de medo, um medo tão grande que até doía. Mas não dizia nada, pois sabia que não tinha outro jeito. Coitados. Eu entendi e continuou entendendo a atitude deles. Talvez tenham decidido isso por acharem que estaríamos mais protegidos sozinhos do que na companhia daquelas moças sem juízo. Eles não tinham outra opção. Morávamos numa casa grande, fora de condomínio, perto de Congonhas. Não tinha como não termos medo de estarmos desacompanhados. O coitado do Leandro foi ficando temoroso por causa de mim. Quando eu tinha oito anos, ele ainda tinha quatro. No começo, não sabia bem o que significava estar sozinho comigo numa casa daquele tamanho. Com o tempo, quando foi crescendo, passou a ter essa noção. Passou a também ter medo. Nós tínhamos que ir para a cama às 20h. Ordens expressas da nossa mãe. Começávamos a saga da noite dormindo cada um em seu quarto. Depois de um tempo, quando os barulhos na casa principiavam, o Leandro ia para o meu quarto e deitava do meu lado, em um colchão que havia no chão. Tinha um colchão embaixo da minha cama. Raramente, antes de dormir, eu não o puxava e já o deixava pronto, com um lençolzinho e um cobertor. Era para lá que ele corria. Quando tínhamos a sensação de que não iríamos aguentar mais, de tanto medo, deitávamos na mesma cama, em cima ou embaixo, tanto fazia. A gente só pegava no sono por causa da exaustão. Ficávamos tão exauridos todas as noites, com tanto medo, que acabávamos pegando no sono em determinado momento, já bem tarde. Muitas vezes, no entanto, eu procurava acalmar o Leandro, tentado fazer com que ele dormisse. Mas eu mesma não tinha sossego. Só conseguia relaxar quando ouvia o barulho do portão se abrindo. Meu pai ou a minha mãe tinham, finalmente, chegado. Que alívio. Eles subiam, para nos ver, e lá estávamos nós, deitadinhos, grudados um no outro, na mesma cama. Eu, como escrevi, muitas vezes estava acordada, mas fingia estar dormindo, para não preocupá-los, pois eu sabia que não tinha outro jeito. "Filha, vai para a sua cama. A mãe já chegou." E lá ia eu, fingindo estar meio cambaleante, meio sonada, para a cama de cima. O Leandro, tadinho, já estava dormindo, então, ficava ali mesmo. Quantas e quantas noites não foram assim? Por muitos e muitos anos, aliás. A gente foi crescendo desse jeito. Quando uma das nossas avós vinha passar uns dias em casa com a gente era uma alegria. Além de cozinharem deliciosas guloseimas, dormiam nos nossos quartos. Era tão bom. Era incrível como não ouvíamos nenhum barulho quando elas estavam em casa. Prova de que o medo nos faz enfraquecer, ele engana a nossa mente, faz-nos ouvir e sentir coisas. Faz-nos achar que não vamos conseguir lidar com a situação. Já um pouco mais velhos, mas ainda crianças, sentamos com os nossos pais e colocamos para eles a real situação. "Pai, mãe, nós não queremos mais ficar aqui em casa sozinhos. A gente tem muito medo. Faz muitos anos que sentimos isso. Não dá mais." A tristeza tomou conta deles. Imaginaram o que tinham sido aqueles anos para a gente. Estaríamos nós traumatizados? Teriam eles habilidade para conduzirem aquele novo processo a partir do que estavam ouvindo? Poriam eles outra doida dentro de casa? Um deles teria que parar de trabalhar para cuidar de nós? "Filheka, por que vocês não disseram isso para a gente antes, dessa forma solene?" "Porque antes, pai, só eu tinha medo, mas agora, somos os dois nessa situação." "E do que vocês têm medo?" "De ladrão, de espíritos, de tudo que vocês possam imaginar, pai. É muito ruim. A gente ouvi um monte de barulhos estranhos na casa. Não conseguimos dormir enquanto vocês não chegam. A gente vai para a cama cedo, como a mãe manda, mas não adianta nada, pois não descansamos. Só conseguimos adormecer quando um de vocês abre o portão da garagem. Esse é o nosso sinal. Agora sim, podemos dormir em paz." Imaginem a cara dos dois ouvindo tudo aquilo. Se hoje nos sentimos culpados, por trabalharmos o dia todo, horas a fio, tendo que deixar os nossos filhos em casa...só que muito bem amparados, com babás pra cima e pra baixo, em escolas boas, dentro de condomínios impecáveis, que mais parecem clubes, com vovós e vovôs à disposição, imaginem a sensação de culpa dos dois. No caso deles, não era uma opção somente um trabalhar. Isso estava fora de cogitação. "Está bem. Fiquem calmos. Nós vamos ver o que vamos fazer, tá bom, Lô e Lê?" "Tá bom, pai." Mais uns dias se passaram até que a resolução veio. "Vocês dois vão passar a ir trabalhar comigo à noite." Esse foi o meu pai nos comunicando. "Eba!!!" Ficamos felizes. Por um longo período, o meu pai, ao sair da escola da tarde, passava em casa para nos pegar. Já estávamos devidamente alimentados, antes das 18h, e seguíamos com ele para o Colégio Alexander Fleming, que ficava em Moema. O combinado é que ficaríamos quietos, no fundo da sala, fazendo qualquer outra coisa que não perturbando a aula do nosso pai. Era tão bom não estar em casa sozinhos que a gente ficava ali numa boa, sem dar nenhum tipo de trabalho para ele. A única coisa que pedíamos, em determinado momento, era um dinheirinho para comermos a pizzinha da cantina. Que pizzinha boa, lembro-me bem. Só isso. Lá pelas 22h, 22h30, já estávamos acabados, praticamente dormindo nas carteiras. A aula terminava às 23h. O meu pai nos chamava e nós, oscilantes, seguíamos com ele para o carro. Ao chegarmos em casa, subíamos, colocávamos nossos pijamas, escovávamos os dentes e cama. Exauridos, nós só acordávamos no dia seguinte..."tá na hora de acordar...não espere a mamãe mandar..." Por muitos anos, tivemos essa rotina cansativa. Nunca acordamos de mal humor. Pelo contrário, o fato de não termos estado sozinhos na noite anterior era o episódio no qual nos apoiávamos, com todas as nossas forças, para mostrarmos aos nossos pais que estávamos aguentando o tranco, bem aguentado. O que não queríamos era voltarmos a ficar sozinhos em casa. Pensando bem, acho que é por isso que, até hoje, o Leandro e eu não temos problemas para acordar cedo. Nunca tivemos. Nós nos acostumamos com aquele dia-a-dia. Acho que é por tudo isso também que eu não gosto de ficar sozinha. Fico muito incomodada quando estou só. Acho que também é por isso que nós dois, o Leandro e eu, temos mania de trancar tudo, todas as portas de casa, de dormirmos com tudo, devidamente, trancado. São os nossos traumas, os nossos pequenos danos emocionais, resultado de uma experiência sofrida, que acarretou um medo exacerbado em nós dois. Mas não chegamos a ser fóbicos-ansiosos. Longe disso...só somos um pouquinho neuróticos. Mas quem não é? Rsrsrs. Com o passar de mais alguns anos, a história foi se invertendo. Fomos gostando de ficar em casa sozinhos. Continuávamos tendo que ir para a cama cedo, por ordens maternas, mas dávamos cobertura um para o outro, já que os programas na televisão passaram a ficar mais interessantes conforme íamos ficando adolescentes. Algumas vezes, meu irmão e eu, lembramos-nos dessa época. Hoje em dia, que estamos mais próximos, relembramos e rimos. Outro dia mesmo, comentamos sobre o poder que as nossas mentes tinham, pois conseguíamos ouvir barulhos que ouvidos de seres humanos ditos normais, simplesmente, não ouvem. Era impressionante. Motivávamos nossos cérebros a ponto de conseguirmos ouvir o silêncio. Mas sobrevivemos. Estamos bem. Somos mais ou menos normais. Temos pais resignados, que sabiam que podiam ter mudado aquele cenário, mas que não quiseram arriscar, para o nosso próprio bem, pois sabiam que o risco de um só trabalhar era alto e o preço a ser pago poderia ser muito grande. Temos pais firmes, lutadores, corajosos, resistentes, que, provavelmente, erraram, mas que, certamente, erraram tentando acertar. E deu nisso...em todo esse amor que sentimos por eles, no desejo que temos de agradecer-lhes por tudo que fizeram por nós. Só somos o que somos, só temos o caráter que temos e até as coisas que temos, porque eles foram firmes em seus propósitos e não desviaram dos seus caminhos. Suas crenças, não limitantes, afetaram, positivamente, tudo em suas vidas e, por conseguinte, em nossas vidas. Espero errar com a minha filha somente na medida em que os meus pais erraram comigo, na minha criação. Se conseguir isso, estarei tranquila, pois saberei  que ela se tornará um ser humano do bem. Parafraseando a Clarice Linspector..."o que o ser humano mais aspira é tornar-se ser humano." Mas eu vou me atrever e fazer um adendo a essa frase..."o que os seres humanos, nas figuras de pais e mães, mais aspiram é verem seus filhos tornando-se seres humanos do bem". Pai e mãe, por causa de vocês, estejam certos disso, somos o que somos...e somos muito felizes com aquilo que nos tornamos. Obrigada por tudo. Escolhemos muito bem ao termos querido vir parar nessa família. Que possamos estar juntos por muitos e muitos anos ainda nessa vida e que renasçamos e vivamos, novamente, juntos, em várias outras. Amo vocês de todo o meu coração. Muito obrigada por toda a ajuda que me dão com a Laís. E o quanto que ela ama vocês, hein? Não é pra menos!!! Ela tem os melhores "vovocos" do mundo!!!

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