Laís!

Era dia 12 de julho de 2007. Eu tinha acabado de chegar em casa do trabalho. Mal tranquei a porta, o telefone tocou. Olhei no identificador de chamada e notei que o número não era do Brasil. Estranho. Quem seria? Atendi. "Alô!" "Alô! Por favor, posso falar com a Loraine?" "Sim, é ela." "Oi, Loraine, é o Manfred." "Olá, Manfred, tudo bem?" Imediatamente, o meu coração disparou, bateu forte...eu podia sentir a sua pulsação no meu pescoço. "Tudo bem, e você?" "Estou bem sim." "Loraine, estou ligando dos Estados Unidos. Você fez a entrevista com o Fernando na última terça-feira, não é?" O sotaque do Manfred é genial. "Sim, conversei com ele essa semana." "Então, ele gostou de você." "Que bom." "Sendo assim, quero convidar você para vir trabalhar com a gente na Proudfoot." "Sério?" E ele riu. "Sério, Loraine. Você aceita?" Mal sabia o Mr. Stanek que, no começo da semana, eu tinha pedido demissão da Visa Vale, mesmo sem saber se seria contratada por ele. "É claro que aceito, Manfred, é claro que aceito." "Que bom, Loraine. Estou muito feliz que tenha dado certo. Estamos ansiosos para ter você com a gente na equipe da América Latina." "Podem contar comigo." "Mas tem uma coisa, eu preciso que você esteja em Londres no dia 16 de julho, na próxima segunda-feira. Haverá um curso, de uma semana, sobre Business Identification e eu quero que você já participe dessa turma. Seus pares, de outros, países estarão lá. Você pode?" "Posso, Manfred." Eu nem sabia se podia, mas disse que podia. Nem raciocinei que aquele dia, em que estávamos ao telefone, era dia 12, quinta-feira, e que faltavam menos de quatro dias para o curso começar. "Ok, então. Fale com o fulano de tal, na Proudfoot do Brasil, que ele vai te ajudar com os trâmites da viagem. Eu só volto para São Paulo no meio da próxima semana. Se você precisar de alguma coisa até lá, pode me ligar." "Perfeito! Manfred, depois que eu voltar da Inglaterra, vou precisar de, pelo menos, uma semana, para colocar a minha vida em ordem antes de começar na empresa. Tudo bem por você?" "Sim, Loraine, sem problemas. Você começa no dia 30 de julho. Está bem assim?" "Claro. Obrigada." "Obrigado você. Até o dia 30 e boa viagem." "Tchau." E assim foi...eu tinha acabado de ser contratada pelo Manfred, que viria a se tornar um querido chefe e um grande amigo. Eu estava tão feliz que sentia o meu corpo tremer. A proposta era muito boa. Eu estruturaria as áreas de Business Identification e de Marketing da empresa. Faria parte, integrante, da restart up da Alexander Proudfoot no Brasil. Peguei o telefone e liguei para o Luiz. Logo depois, liguei para os meus pais, que pegaram o carro e foram lá pra casa, para comemorarem com a gente. Estávamos, todos, realizados com a conquista. Abrimos um bom vinho, pedimos uma pizza e nos divertimos muito, até com a história de Londres. Tudo parecia muito inusitado. No dia seguinte, conversei com a tal pessoa, indicada pelo Manfred, que cuidou de toda a viagem para mim. Na sexta, dia 13, despedi-me da Alelo, no sábado, dia 14, embarquei para a Inglaterra, de 16 a 20 de julho, fiz o curso na matriz, no dia 21, voltei para o Brasil, no dia 23, peguei a minha carteira de trabalho na Visa Vale, no dia 24, levei-a para a Proudfoot, de 25 a 29, descansei um pouco e, finalmente, no dia 30 de julho, comecei no meu novo trabalho. Tudo muito insano, muito corrido, mas muito bom. Agora vem a outra parte da história. Independentemente de eu ser contratada pela Proudfoot ou não a minha decisão estava tomada. Eu sairia da Visa Vale. Já tinha até pedido demissão, mesmo sem ainda ter sido contatada pelo Manfred. O Luiz e eu conversamos e achamos que essa era a melhor coisa a ser feita. E como não sabíamos, em função da nossa decisão, qual seria o meu destino profissional no médio prazo, deliberamos que tentaríamos "engravidar". Eu tinha parado de tomar pílula no começo daquele mês. Ninguém na família sabia disso. Quando essa reviravolta aconteceu, tivemos que recuar. Eu não mais poderia engravidar, pois começaria num novo emprego. Mas também não quis voltar a tomar o anticoncepcional. Decidi ficar sem ele. Teríamos que tomar mais cuidado, mas não seria um problema. O Luiz topou. E assim foi. Eu adorava a empresa, o trabalho, as pessoas. Que fase boa. Inesquecível. Em março de 2008, resolvemos que iríamos começar a tentar fazer o nosso baby. Foi só tentarmos que conseguimos. Engravidei no dia 16 de março. Em abril, como andava meio enjoada fazia alguns dias, desconfiei. Num sábado cedo, antes de ir para a FIA, onde fazia meu MBA, resolvi dar uma passada no Fleury. Fiz o Beta HCG e segui para a minha aula. O resultado ficaria pronto naquela tarde. Que aflição. Eu não tinha dito nada ao Luiz. Não quis deixá-lo ansioso. Não consegui prestar atenção em nenhuma aula. Só conseguia pensar no resultado daquele exame. Seria verdade? Eu já estaria grávida? Mas era muito cedo. Eu tinha acabado de entrar na Proudfoot. O que eu iria dizer ao Manfred? Eu só estava lá há oito meses. E o dia foi passando. Eu entrava no site do Fleury de hora em hora. Finalmente, às 16h, entrei lá, vi o resultado e constatei o que já sabia...eu estava mega grávida. E mais uma vez eu senti o meu corpo tremer. O Marquinhos, meu amigo, que estava sentado ao meu lado, notou uma movimentação estranha da minha parte, mas ficou sem saber o que estava acontecendo. Eu fechei tudo, peguei as minhas coisas e saí correndo para a minha casa. Era um mix de sensações. Difícil de descrever. Tanta coisa passou pela minha cabeça. Eu estava feliz e, ao mesmo tempo, apreensiva. O enjoo não passava...nem a tremedeira. Queria chegar em casa logo, para dividir tudo aquilo com o Luiz, mas o trânsito não me deixava. Tinha um serzinho dentro de mim...nossa...um filho...que loucura. Como conseguimos engravidar com tanta facilidade e rapidez? Por que já tinha dado certo? A idéia é que a gente só conseguisse depois de julho. Mas então não devíamos ter começado a tentar só em julho? Cheguei em casa. Estacionei o carro na garagem e peguei o elevador. Abri a porta do nosso apartamento e fui atrás do Luiz. "Linda, é você? Você voltou mais cedo hoje. Não teve a última aula?" "Eu vim mais cedo, Amore!" O Luiz estava no escritório, sentado no computador. Sentei-me no sofá, atrás dele. "Amore, estou grávida!!!" "Grávida? Que mentira, Loraine. Que grávida o que!" "É sério, Lindo, estou grávida!!!" "Fala sério? Já?" "Já." "Quando você soube?" "Acabei de saber." "Mentira, Loraine. Para de sacanagem. Você não tinha dito que demoraríamos para conseguir?" "Disse, é verdade, mas você é bom nisso, fazer o que, Lindo? Entra aí no Fleury." E o pior, ele ainda não estava acreditando...entrou no Fleury para ver se eu estava de gozação. "Qual o login e a senha?" Eu passei tudo para ele. "Quando você fez o exame?" "Hoje cedo, antes de ir para a FIA." "Tá aqui. Deixa eu ver." "Veja." "Nossa, é sério mesmo, Loraine." Só aí, depois de ver com os seus próprios olhos, que ele veio me abraçar. Maluco esse meu marido. Nós ficamos ali, felizes e confusos ao mesmo tempo. A gente se abraçava, chorava, ria, pensava, tudo ao mesmo tempo, sem ordem. "Amore, acho que fiquei grávida no dia da festa da minha avó." "Será?" "Acho que sim." "Mas não foi nesse dia que começamos a tentar?" "Pois é...tentamos e conseguimos." "E o Manfred, o que vai achar de tudo isso?" "Não sei, mas não paro de pensar que só faz oito meses que eu estou na Proudfoot. Vai parecer que foi de propósito, não?" "Acho que não, Loraine. Primeiro porque não foi. Além disso, o cara é europeu, tem outra forma de pensar. Fora isso, ele já tem dois filhos e está prestes a ter o terceiro, não está?" "É...mas quem tem os filhos dele é a mulher dele e não ele." "Mas ele é um cara família. Vai adorar a notícia...você vai ver." "Amore, e a gente, e agora, o que fazemos? Vamos contar para os nossos pais?" "Não sei. Vamos pensar. Mas a primeira coisa que temos que fazer é comemorar. Vamos sair para jantar hoje à noite? Você está se sentindo bem?" "Estou enjoada, já faz alguns dias, mas estou bem. Vamos sim." Naquela noite, fomos ao 348. Nunca me esqueço do nosso jantar. Não comi nada. Mal conseguia olhar para a comida. Parece que depois que soube da gravidez, piorei do enjoo. Conversamos a noite toda, fizemos mil planos, estávamos, realmente, felizes com a notícia. Combinamos que iríamos ao meu médico, faríamos todos os exames e só contaríamos aos nossos pais no dia das mães daquele ano. E assim foi. Fiz tudo que tinha que fazer para que ficasse tudo certo para a grande notícia do dia 11 de maio. O Luiz e eu sempre achamos que teríamos um menino. O Leonardo. Em abril de 2007, fomos para Orlando. Nessa viagem, compramos uma jaquetinha jeans, de menino, e um tênis da Nike, também de menino. Tudo isso para o nosso Leozinho, que viria ao mundo mais cedo ou mais tarde. Nunca nem passou pelas nossas cabeças que teríamos uma menina, embora também já tivéssemos escolhido o nome para ela...Laís. Gostávamos tanto da Maria Laís, uma querida amiga nossa, que trabalhava com a gente na Visa Vale, que combinamos que se viéssemos a ter uma filha, seu nome seria Laís. No período anterior ao dia das mães, nós fizemos um exame chamado Sexagem Fetal. Queríamos saber o sexo do bebê sem que tivéssemos que esperar tanto tempo até o morfológico. O Luiz disse que era muito velho para ficar esperando para saber o sexo do seu filho. O resultado do exame ficaria pronto somente no dia 9 de maio, dia em que os meus sogros chegariam do Rio. Que parto esperar tanto tempo para poder contar a todos. Eu já não aguentava mais esperar. Queria contar para a nossa família e também para o Manfred, para acabar logo com aquela angústia. E o tempo foi passando. Dia 9 de maio chegou. Nós tínhamos resolvido que não contaríamos no domingo, dia 11, mas na própria sexta, num jantar lá em casa. Dia 11, haveria mais pessoas na casa da minha mãe. A gente quis que os quatro soubessem antes do que os outros. Achamos mais justo. Quando cheguei em casa do trabalho, no dia 9, o Luiz já estava lá com os seus pais. Fiquei um tempo com eles na sala, até que dissesse que iria tomar um banho e me trocar, para esperar a chegada dos meus pais. Fui para o quarto. Uns quinze minutos depois, apareceu o Luiz. "Amore, vamos encher as bexigas?" "Vamos sim." "Cadê o pacote?" “Tá aí na mesinha de cabeceira." O Luiz pegou o saco, que estava cheio de bexigas azuis, e o abriu. Começamos a encher uma por uma. "Linda, e o tênis, tá tudo certo?" "Tá sim." Eu tinha colocado um pé de cada tênis, aquele da Nike, que compramos em Orlando, dentro de duas caixinhas de presente. Dentro de cada pé coloquei uma meinha azul clarinha. Uma graça. A idéia era darmos uma caixa para cada mãe. Seria uma alegria só. Enfim, estava tudo quase certo para darmos duas notícias aos nossos pais...a de que estávamos grávidos e a de que o bebê era um menino, o nosso Leozinho. Só estava faltando um pequeno detalhe. Conhecermos o resultado da Sexagem Fetal. "Amore, será que já dá para a gente ver o resultado da Sexagem?" "Acho que sim. Vou pegar o note lá na sala.” "Tá bom. Diga aos seus pais que eu já estou terminando de me arrumar. Enquanto isso, eu continuo aqui, enchendo essas bolas." E lá foi ele, atrás do note. Logo voltou, todo animado. "Os meus pais já chegaram?" "Ainda não." "Lindo, deixa que eu vejo o resultado, tá? Encha essas bexigas porque eu estou ficando mais enjoada ainda toda vez que tenho que assoprar dentro delas." Liguei o note e fui para o site do Fleury. Olhar o resultado do exame era meio que proforma pra gente. Sabíamos que seria um menino, mas queríamos ter a comprovação. "O resultado já está disponível. Deixe-me ver." "Veja, Linda." Nossa...que loucura...não era um menino. O que? Uma menina? E todas essas bexigas azuis? E o tênis de menino, a meia azul, a jaqueta jeans? "Amore, você não vai acreditar. Nós vamos ter uma menina." "Mentira, Loraine!" "Você não vai acreditar em mim outra vez? Não é menino, é menina!" "Que nada! Eu não vou ser pai de menina..." "Vai sim...eu estou esperando uma menininha...veja aqui." E ele pegou o notebook da minha mão para, novamente, ver o resultado com os seus próprios olhos. "É verdade, é uma menina, a Laisota, Amore!" Do mesmo jeito que ele ficou passado com a notícia, desficou...de repente, ficou todo sensibilizado porque teria uma menininha. Foi muito bom ver aquela cena. Choramos tudo outra vez...em volta de todas aquelas bexigas azuis. "E agora, o que a gente faz com tudo isso, Lindo?" "Sei lá...a gente dá um jeito. Vamos contar toda a história para eles. No final, vamos rir de tudo isso mesmo." "Tá certo. Vamos lá para a sala. Vamos ver se os meus pais já chegaram." Saímos do quarto e fomos para a sala de TV. Quando chegamos lá...outro susto. O meu sogro estava passando mal, muito mal. O Luiz saiu de casa correndo, com ele nos braços. Foram para o São Luís. A minha sogra foi junto. Eu fiquei ali, parada, meio atordoada. Os meus pais chegaram. "Mãe, o Sr. Luiz passou mal. O Luiz o levou para o São Luís. Vamos para lá também?" Só deu tempo de pegar a minha bolsa e seguimos para o hospital. Quando chegamos lá, o Sr. Luiz estava no pronto socorro, sendo atendido por uma equipe médica. O Luiz veio falar com a gente. "Parece que o caso foi grave. Ele teve mais um princípio de infarto. Ele terá que ser transferido para o HCor." "Sério?" "Sim. Já falei com o médico dele do Rio. Eu também já solicitei a ambulância, para a transferência, ao plano de saúde. Em breve, eles deverão chegar." É impressionante, mas todas as vezes que o meu sogro vem para São Paulo, ele acaba em algum hospital. A gente ainda não conseguiu entender se é a emoção de ver o filho dele, se é o medo de avião, se é o histórico dele. O fato é que em todos esses anos, não teve, se quer, uma vez em que ele não tenha vindo para a nossa casa, nos visitar, sem que tenha que ter dado uma passada ou até ter ficado internado em algum hospital da cidade. Naquele dia 9 de maio, dois dias antes do dia das mães, não foi diferente, a história se repetiu. Ele, coitado, tem toda uma história com o seu coração. É todo arrebentado por dentro, safenado, mas vai vivendo, um dia após o outro. "Linda, vá embora com os seus pais. Eu vou ficar aqui com a minha mãe." "Não, Amore, prefiro ficar aqui com vocês." "Pai, mãe, podem ir embora. A gente dá notícias." E eles foram, pois não tinha nada que pudessem fazer naquela altura do campeonato. Nós três ficamos ali, esperando a ambulância da transferência. Mas nada dela chegar. Foram mais de três horas de espera. Um desatino. Quando, finalmente, ela chegou, já eram mais de 2h da manhã. A minha sogra foi com o meu sogro, junto com os enfermeiros, e o Luiz e eu seguimos a ambulância em nosso carro. Foram mais algumas horas até que conseguíssemos interná-lo na UTI do HCor. Ninguém poderia ficar com ele, então, lá pelas 4h30, voltamos para a nossa casa, nós três. Que noite, que madrugada aquela. Tanta coisa tinha acontecido. A minha sogra, coitada, estava passada. São mais de quarenta anos nessa vida, entre hospitais, cirurgias e internações. Quem aguenta isso? O Luiz estava transtornado, arrebentado. Não consegue entender, até hoje, a relação do pai dele com os hospitais de São Paulo. Eu, por minha vez, só queria a minha cama. Ou alguém esqueceu que eu estava grávida e mega, mas muito, muito mesmo, super enjoada? Cheguei no meu quarto e ainda tive que me deparar com aquele bando de bexigas azuis. Fui tomar um banho, para tirar aquela inhaca de hospital. Arrumei-me toda e fui para a cama. Nessa altura, o Luiz também já estava lá no quarto, pensando no que fazer com tanta bexiga. "Lindo, deixe-as aqui dentro mesmo. Se você as colocar para fora, a sua mãe vai desconfiar." Ele foi tomar banho, arrumou-se para dormir e pulou na cama. Lá pelas 6h, estávamos fechando os olhos para tentar tirar um cochilo, já que às 10h, tínhamos que estar de volta no HCor, para uma conversa com a equipe médica. Não preciso nem contar quantas vezes, das 6h às 9h, acordamos, sobressaltados, assustados com aquelas bexigas malditas, estourando, de tempos em tempos, no chão do quarto. Foram tantos sustos que eu não sei como a gente também não foi parar no hospital, também com princípio de infarto. Teríamos uma menina. A gente nem tinha introjetado, assimilado essa informação direito quando tudo aquilo, com o meu sogro, aconteceu. Continuávamos, nós dois, com a informação da gravidez só pra gente. Às 9h, levantamos. A minha sogra já estava a postos. Queria voltar logo para o hospital. O Luiz me disse para ficar em casa....e eu aceitei. Eles saíram e eu voltei para a cama. Mas foi por pouco tempo, pois logo me veio em mente as meinhas azuis. Eu teria que achar meias rosas, para poder mudar todo aquele cenário masculino. Afinal, contaríamos sobre a gravidez, pensei eu, no dia seguinte, no dia das mães, para as nossas mães, independentemente do meu sogro estar com a gente ou no hospital. Não tínhamos mais como esconder o que estava acontecendo. A minha barriga já estava saliente. Arrumei-me e saí. Perto de casa, havia uma loja de roupas de crianças e foi pra lá que eu corri. Achei o par de meias rosas. Voltei para casa, estourei o restante das bexigas, aquelas que sobreviveram à madrugada, rearrumei as duas caixinhas dos tênis, com as meias de menina, e fiquei esperando o Luiz dar um sinal de vida. Ele voltou para a nossa casa sem a mãe dele, que quis ficar no hospital, mesmo sabendo que não poderia estar perto do Sr. Luiz. "Ela quis ficar lá, Loraine. Você a conhece. Não fiquei discutindo." "Mas você vai ter que voltar lá para pegá-la mais tarde, não?" "Sim, mas agora eu só quero descansar um pouco. Vou dormir um pouco, tá?" "Vá sim." E lá foi ele, coitado. Fiquei na sala, vendo meu Lost e curtindo a minha nova condição, a de uma pessoa mareada. Acho que até dormi um pouco no sofá. Algumas horas depois, aparece o Luiz. Já tinha tomado seu banho e estava todo arrumado para voltar para o HCor. "Vou lá conversar com os médicos e pegar a minha mãe. Já volto, tá?" "Eu vou com você, Amore." "Melhor não, preserve-se. Não vale a pena. Eu já volto." Mais algumas horas se passaram até que os dois chegassem em casa. A Dona Wanda estava, nitidamente, exausta. Entrou em casa, deu-me um beijo, tomou um banho e cama. Só acordou no dia seguinte. "Linda, parece que o estado do meu pai está mais estável, mas ele terá que ficar internado até que tenham certeza de que ele está bem. A partir de segunda-feira, dia 12, vão virá-lo do avesso. Amanhã, a gente vai almoçar na sua mãe e depois, vou levar a minha de volta para o hospital. Ela quer dormir lá, mesmo que no corredor. Teimosa" "Tá certo. Quer comer alguma coisa?" “Vamos pedir uma pizza?" Comemos, quer dizer, ele comeu, combinamos como daríamos a notícia às nossas mães e ao meu pai, e fomos dormir. O grande dia havia chegado. Eu, definitivamente, estava mais do que pronta para contar a todos que estava grávida. Queria parar de encolher a barriga...rs. Nós nos arrumamos e fomos para a Dona Isabel. O meu irmão também estava lá. Não dissemos nada até que todos estivessem à mesa, a postos. Almoçamos, conversamos, falamos sobre o estado de saúde do Sr. Luiz, sobre o que tinha acontecido na sexta-feira. Antes da sobremesa, o Luiz pediu a palavra. "Nós precisamos falar com vocês. Lô, pegue a sacola, por favor." Peguei a sacola das caixas. Ela já estava do meu lado, no pé da mesa. Quando tirei as caixinhas de dentro dela, notei que o meu irmão já se ligou. Mas não disse nada. Dei as caixas na mão do Luiz, que, por sua vez, entregou-as às nossas mamas. "O que é isso, perguntaram elas?" "Antes que eu continue o meu discurso, é necessário que vocês abram as caixas e tirem suas próprias conclusões." Elas as abriram. O que parecia ser tão óbvio...não foi. As duas ficaram olhando, pegaram os tênis na mão, viram as meias...e nada. Nisso, o meu pai, o meu irmão e a minha cunhada pularam nos nossos pescoços. A minha mãe continuava analisando a cena. Dentro de cada caixa, havia um cartão. O cartão dizia o seguinte: "Vovó e Vovô, meu nome é Laís. Em dezembro, estarei aí com vocês, para comemorarmos o Natal de 2008 juntos. Não conheço vocês, mas já os amo muito. Um beijinho. Laisota." Ela o leu. "Filha, não acredito. Você está grávida? Nossa, até que enfim.” "Até que enfim? Que reação é essa, mãe?" Pronto, essa já sabia. E a outra, e a Dona Wanda? "O que é isso, filho?" É como se as duas nunca tivessem tido um filho na vida. Mas nunca tinham tido netos...sejamos justos. Pronto, as fichas caíram. As duas começaram a chorar. Elas nos abraçaram e continuaram chorando. Estavam muito felizes. "Lô, já sabe se vai ser uma menina ou um menino?" Essa pergunta veio da minha mãe. "Como assim, mãe, você não acabou de ler o cartão da Laís?" "Mas é sério o que está escrito nele?" "Como assim sério, mãe?" "Eu achei que vocês estivessem brincando. Como já podem saber o sexo do bebê?" E aí contamos toda a incrível saga. "Vocês serão avós de uma garotinha. O nome dela será Laís." Pronto...ufa!!! Precisávamos agora contar para o Sr. Luiz. Será que o médico nos deixaria dar essa notícia a ele? E se ele ficasse muito emocionado? Depois do almoço, fomos levar a Dona Wanda no hospital e aproveitamos para ver como ele estava. Se desse, se o médico nos liberasse, também daríamos a notícia para ele. "Dr. acha que podemos contar para ele? Como ele está?" "Ele está estável e precisando receber uma notícia como essa. É melhor que a dêem aqui dentro...se for necessário, atuamos imediatamente...rs." Ele estava na semi-intensiva. Podia receber visitas, mas só de uma por vez. "Linda, vá lá falar com ele. Dê a notícia. Ele vai ficar feliz da vida." E lá fui eu com a caixa, com o tênis e com a meia rosa. Ele estava deitado, vendo TV, muito sereno. "Oi, Sr. Luiz, como está o Sr.?" "Oi, Loraine, tudo bem? Eu estou ótimo...pronto para outra." Sempre de bom humor. "Como está esse seu coração?" "Está ótimo. Vive me dando susto, mas não vai me deixar na mão. Eu sei que não vou morrer por causa dele." "Que bom vê-lo bem, Sr. Luiz. O Sr. sabe que hoje é dia das mães, né? Então...por que ainda não me deu parabéns?” “Parabéns?” “Tome, pegue essa caixa e dê uma olhada no que tem dentro dela, Sr. Luiz." Ele pegou a caixinha na mão e a abriu. Pegou o tênis na mão e começou a chorar. Entendeu na hora. Foi muito emocionante. "Nossa, Loraine, que notícia boa. Parabéns, minha filha. Que notícia boa nessa hora." "Pois é, Sr. Luiz, tava tudo certo para a gente contar para vocês na sexta, mas o Sr. foi dar um susto na gente." "Eu sempre dando trabalho pra vocês, né?" "Não é sempre, Sr. Luiz, mas toda vez que vem para São Paulo." E ele me abraçou, chorou, riu. Fico emocionado. Pediu para o Luiz ir até lá. Foi uma festa. No dia 22 de maio, ele saiu do hospital. Dois dias depois, os dois voltaram para o Rio de Janeiro. Daí em diante, o tempo passou muito rapidamente. Nesse ínterim, dei a notícia para o Manfred. O Luiz tinha razão. Ele não só adorou a notícia como saiu contando para todos no escritório...fora isso, fez questão de comemorar com a gente, chamando-nos para um jantar em sua casa. Um gentleman...e sua esposa, a Tati, uma lady. Eu não podia ter tido uma gravidez melhor do que a que eu tive. Foram meses intensos no trabalho, cheio de viagens para fora do país, reuniões, projetos...mas foram dias inesquecíveis. Como cuidaram de mim naquela empresa. Era um paparico só. Café da manhã na mesa, lanche da manhã na mesa, almoço na copa, lanche da tarde na sala de reunião, motorista para cima e para baixo. Se fosse pela gravidez que eu tive, poderia pensar em ter mais uns cinco filhos. Brincadeira...nem pensar...rs. A minha filhota veio ao mundo no dia 01 de dezembro de 2008. Como imaginar a vida sem ela? Impossível. A nossa Laís é a nossa vida. Soubemos, no momento em que ela veio ao mundo, que só seríamos felizes se ela fosse feliz. Não tem como ser de outro jeito. Ela é parte de nós. Até dói...de tanto que a amamos. Mini me...você é a minha delícia cremosa, a minha vida. Espero que demore muito para crescer, para que eu ainda possa te amassar muito, sem que você resista, por muitos e muitos anos. Como você sempre fala pra mim: "Mamãe, I LOVE YOUTUBE!!!" "I LOVE YOUTUBE TOO, Baby!!!" Seja muito feliz, Lalinha!!!

Comentários

  1. Quanta EMOÇÃO!!!..FILHOS....TUDO EM NOSSAS VIDAS!!!...PARABÉNS!!!

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