A paranoia e o mundo corporativo!


O TEMA


Vivo no mundo corporativo há, exatos, 20 anos. Portanto, torna-se impossível para mim não refletir sobre ele quando decido escrever algo sobre a mente humana e fazer uma análise sobre os motivos pelos quais agimos como agimos.

Gosto muito de usar o termo ecossistema de negócios, do livro "The Death of Competition: Leadership and Strategy in the Age of Business Ecosystems" (James Moore, 1996), para falar sobre esse mundo. Nele, James Moore apregoa o  conceito de que as corporações são, na realidade, grandes ecossistemas, grandes redes  que englobam uma empresa e seus respectivos fornecedores, clientes e outros parceiros em um ciclo de geração e agregação de valor.

O resultado desse processo todo seria bom se não fosse desgastante para as pessoas que vivem no sistema. O seu objetivo é o compartilhamento de conhecimento e maior velocidade entre o início e o final dos projetos.

Pois bem, seria tudo muito lindo se as mentes humanas não fossem tão poderosamente criativas a ponto de gerarem problemas quando eles não existem. Somos mestres nisso.

Portanto, o que foi criado para resolver, para auxiliar, para organizar, acaba por gerar inquietudes, por desestruturar as pessoas, por torná-las desconfiadas e até delirantes.

E para sobreviver a tudo isso, somente sendo paranoico. Será?

Nos anos 1990, Andy Grove, o então executivo-chefe da Intel, soltou uma frase que, mais tarde, veio a se tornar um mantra entre executivos e empresários de todo o mundo: "Só os paranoicos sobrevivem."

E é sobre esse mantra que quero tratar. Será que é preciso ser paranoico para sobreviver nas corporações?

A PARANOIA

Também conhecida como paranoide ou pensamento paranoico, a paranoia é uma psicose que se caracteriza pelo desenvolvimento de um pensamento delirante crônico, lúcido e sistemático, provido de uma lógica interna própria, sem que haja a presença de alucinações.

Nessa patologia, a pessoa desenvolve uma desconfiança ou suspeita exacerbada ou injustificada de que está sendo perseguida, acreditando que algo ruim está para acontecer ou que o perseguidor deseja lhe causar mal.

Indivíduos com paranoia tornam-se desconfiados sem motivo, em tal intensidade que seus pensamentos paranoicos podem destruir sua vida profissional e pessoal.

Freud, em seu famoso estudo do caso "Schreber", concluiu que a paranoia é a negação e a transformação de um desejo homossexual para uma ideia persecutória.

Ele também fez uma relação da paranoia com o ciúme, apontando que uma pessoa que tem esse sentimento, projeta ou transfere para uma outra seu próprio desejo de traição.

A paranoia, segundo ele, espelha o nosso dever, inconscientemente, instalado de desconfiar ou odiar sempre.

Ser perseguido apenas é o cume mental de uma cultura política e social que apregoa que jamais teremos amigos ou reais companheiros, mas meros colegas que almejam tomar nosso lugar.

A paranoia também não admite nenhum tipo de otimismo, sendo sua função a eterna vigilância perante um dano provável. O pessimismo ou a antecipação constante da perda é essencialmente a projeção ou o retorno mental de uma conduta individualista ou egoísta que o sujeito nutriu no decorrer de sua história de vida.

Ela inverte a polaridade das sensações perante determinados acontecimentos.

O inesperado ou o raro se torna cotidiano na mente do sujeito, podendo se tornar o imediato.

As manifestações persecutórias e de pensamentos delirantes de si e do mundo da paranoia nada mais são do que o caminho psíquico inverso de alguém que se ambientou ou teve prazer com a hostilidade como modelo de vida.

O seu sintoma, no geral, é a antecipação daquilo que a pessoa teme, mas que talvez devesse encarar a fundo.

CAUSAS DA PARANOIA

Na opinião de Freud, a singularidade da paranoia está nos mecanismos que causam os sintomas da demência. Para ele, a paranoia é o produto da repressão à homossexualidade, na qual a fantasia do desejo se transforma em delírio de perseguição. Portanto, para ele, o centro da paranoia é o desejo homossexual.

Freud afirma que o ponto fraco do paranoico deve ser buscado entre o auto-erotismo, o narcisismo e o homossexualismo.

Para ele, os fatores-chave que compreendem a paranoia são: o mecanismo pelo qual os sintomas são formados e o mecanismo pelo qual a repressão é ocasionada.

O mecanismo de formação dos sintomas é a substituição das percepções internas por percepções externas. Tudo aquilo que tem origem em mim passa a ser um problema de fora. Esse é o processo denominado de projeção.

Já o mecanismo pelo qual a repressão é produzida está muito mais vinculado ao desenvolvimento da libido, à necessidade que o paranoico tem de preservar o seu ego acima de tudo, a sua necessidade de sustentar o fim do mundo, uma vez que, se o seu mundo subjetivo chegar ao fim, então, também o seu mundo objetivo chegará. Mas depois da sua destruição, o paranoico o reconstruirá, para que possa continuar a viver nele, mesmo que não seja como antes, mas fará isso por meio dos seus delírios.

É por meio desse último mecanismo que o paranoico faz um desligamento da libido em relação às pessoas e coisas que foram anteriormente amadas.

A projeção, então, não se trata de uma percepção interna projetada para o exterior, mas do retorno daquilo que foi abolido, desligado da libido.

Mas Freud ainda afirma que o problema não é o desligamento da libido em relação às pessoas e coisas, mas o que se faz com essa libido depois.

A volta ao narcisismo é que é o ponto-chave da paranoia para Freud.

Na paranoia, a libido liberada se vincula ao ego, sendo usada para seu engrandecimento, o que remete o indivíduo de volta ao estágio do narcisismo, no qual o objeto sexual é ele próprio. Portanto, os paranoicos são pessoas que trouxeram consigo uma fixação no estágio do narcisismo e que tem como a medida da quantidade de regressão a extensão do retrocesso do homossexualismo sublimado para o narcisismo.

Mas fiz mais leituras, além de Freud, para compor este texto.

Em minhas pesquisas, vi também que há autores que dizem não haver uma causa única, específica, para a paranoia, mas que, no entanto, há uma série de fatores que parecem ter importância.

Os fatores genéticos, bioquímicos e até o stress, segundo esses literatos, podem fazer com que certas pessoas reajam a eles com um forma dela.

Para mim, a junção da constatação de Freud, sobre o testemunho autobiográfico de Daniel Paul Schreber, e do conteúdo de outras leituras que fiz explicam as causas dessa demência.

A PARANOIA E O MUNDO CORPORATIVO

Só os paranoicos sobrevivem.

Por que não os obcecados ou os mais determinados? Por que só os paranoicos? Eis a questão.

O que é certo que ocorra no ecossistema de negócios no mundo corporativo? Mudanças, as inevitáveis mudanças de sempre. Elas são fato.

À vista disso, o efeito delas, às vezes até radicais, não nos permite ser apenas determinados, deteriorados, temos mesmo é que manter uma diligência paranoica sobre o sistema em alteração. Isso se pretendermos sobreviver a ele.

Essa é a minha análise da frase proferida por Grove.

Mas tenho que voltar ao significado e às possíveis causas de paranoia para ver se isso tudo faz algum sentido.

Como escrevi anteriormente, alguns autores afirmam que o stress pode fazer com que certas pessoas reajam a ele com um forma de paranoia.

É fato que as constantes mudanças no mundo corporativo exigem uma visão mais estratégica para que os desafios sejam enfrentados de forma competente. E isso gera stress, sem dúvida gera.

Pois bem, isso tudo é verdade. Mas não podemos nos esquecer de que a única coisa constante no universo são as mudanças, então, elas não deveriam exigir nada de ninguém. Deveriam ser encaradas como algo natural, enfrentadas de maneira menos desgastante. Mas não é isso que se vê, que se vive. O que se vê são pessoas não resistindo às alternâncias, executivos estressados, vivendo em constante turbulência, resistindo a serem mudados.

E por que agimos assim?

Por que um olhar torto do chefe pode fazer os piores pensamentos virem à tona? Ele me odeia. O que será que fiz de errado dessa vez?

Passamos a desenvolver o tal pensamento delirante advindo de uma lógica interna que é só nossa.

Passamos a achar que estamos sendo perseguidos, que as pessoas querem o nosso mal. Tornamos-nos pessoas desconfiadas, aparentemente, sem motivo e destruímos a nossa vida profissional por conta desses pensamentos amalucados.

Por não enfrentarmos as mudanças, passamos a desconfiar ou a odiar para nos proteger, para que consigamos mais tempo até que o inevitável aconteça: a transformação.

Passamos a ter ciúme de quem já fez a mudança e está, novamente, na zona de conforto. Essas pessoas que conseguiram sair da anterior desconfortável zona de conforto não podem ser amigas, mas apenas colegas que querem tomar o meu lugar.

Delírio de perseguição. Produção da repressão.

É a libido liberada pelo novo paranoico se vinculando ao seu ego, sendo usada para o seu engrandecimento em detrimento do outro. É a sua necessidade de preservar o seu ego acima de tudo.

Vamos nos tornando paranoicos corporativos.

Passamos a ter um sentimento de desconfiança persistente, excessivo e muito mal fundamentado.

Passamos a ter a sensação de que algo está acontecendo, de que talvez estejam nos perseguindo, mas não sabemos o que é, e passamos a viver tensos e ansiosos.

Passamos a buscar explicações para as nossas tensões e ansiedade e como passamos a ter a convicção de que o problema está no outro, que tanto nos persegue, conseguimos diminuir o nosso nível de stress e ficamos mais leves, vivendo dos nosso delírios.

E o distúrbio está ficando cada vez mais comum nas organizações. Pessoas que acham que há gente lendo seus e-mails. Pessoas que acham que sempre tem gente manobrando para puxar o seu tapete, pessoas que não podem ver outras conversando, pois já acham que estão tramando contra elas.

Essa figura, infelizmente, está por todos os lados nas empresas, em todos os andares. Deixaram de ser incomuns nas corporações.

O aumento do stress, a diminuição da qualidade de vida, da sanidade mental coletiva, em função do advento das novas tecnologias, colaboraram para a proliferação desses dementes.

Freud explica.

CONCLUSÃO

Só os paranoicos sobrevivem.

Mas, afinal, se o mundo moderno, a correria, o stress do dia a dia vem contribuindo para que novos casos de paranoia surjam, então, o que o Grove quis dizer com a sua famosa frase?

Quem veio primeiro, o ovo ou a galinha?

Quem surgiu primeiro, a administração paranoica ou os paranoicos corporativos?

Talvez o que Andy tenha querido dizer é que só uma pessoa paranoica, acostumada aos seus delírios, seja capaz de resistir a tanto descalabro administrativo-corporativo.

Pode ser.

Pode ser também que a administração paranoica tenha surgido para que paranoicos organizacionais aparecessem e fossem capazes de suportar as mudanças, mais infinitas ainda, dos últimos anos.

Tudo pode ser.

Se começarmos a delirar então, tudo será aquilo que nossas mentes quiserem que seja.

Estou começando a achar que vale a pena ser um paranoico empresarial para variar um pouco.

Quem sabe? 

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