A minha quase morte em 2013!
Dia 19 de maio de 2013, foi o dia em que postei o meu
último texto no Blog. De lá pra cá, de verdade, só venho ensaiando para
escrever o próximo. Não sei bem o que houve. Pra falar a verdade, nem mesmo
agora, escrevendo, tenho a sensação de que vou voltar a produzir como antes.
Talvez não valha procurar entender, valha, como muito do que faço na vida,
depois de um revés, passar por cima e seguir adiante, divertindo-me sempre.
Vamos lá então. Já fazia alguns dias que não vinha me sentindo bem, uns
três, quatro dias. Numa quinta-feira, acordei estranha, enjoada, zonza, meio
fora de órbita. Mas não há espaço para doenças na minha vida hoje em dia, nem
pensar.
Aliás, para começar as minhas abstrações, li o
seguinte em um site: as cinco maiores dificuldade que enfrentamos, nos dias de
hoje, ao ficarmos doentes são:
1. o fato de já estarmos doentes, por si
só, é indecente, imoral – supondo que a tal doença seja uma gripe ou uma febre,
o corpo ficará todo dolorido, ficaremos com um super mal estar, o que
significará não curtir o dia em casa,
2. ficaremos em casa, sem nenhuma ou
pouca ajuda, morrendo de dor no copo, ou em casa com os nossos filhos, que
quererão brincar conosco e a gente morrendo de dor no corpo, com um mega
remorso, ou em casa com a nossa empregada, enchendo o nosso saco, e a gente
morrendo de dor no corpo, sem vontade de conversar, ou em casa com os nossos
filhos e com a nossa empregada, e morrendo de dor no corpo (pior cenário),
3. teremos um super gasto com remédios,
4. não passará um bom filme na sessão da
tarde, provavelmente ele será da pentelha da Xuxa com os Trapalhões e, por fim,
5. no dia seguinte, teremos que colocar o
nosso trabalho em dia.
Pois bem. Qual a vantagem em se ficar doente quando se
é adulto? Não vejo nenhuma.
Seguindo. Acordei estranha naquela quinta-feira, mas
fui trabalhar normalmente, segui a minha vida. Lembro-me de ter comentado a
minha sensação de fraqueza, tontura e enjoo com algumas pessoas lá no Citi, mas
o dia foi seguindo. Voltei para casa, tarde, como de costume, dormi tarde, tudo
girando, mas consegui dormir. Dia seguinte, mesma coisa. E assim, os dias foram
passando. Sexta, sábado, domingo, segunda...e eu nada de ir ver o que estava
acontecendo comigo. Continuava zonza, enjoada, sobrenadando, sentindo-me em
outra dimensão. As únicas certezas que eu tinha eram que eu não estava grávida
e que eu tinha que ir ver o que estava acontecendo com o meu corpo. O Luiz
tinha ido para BH no domingo. Eu já tinha Ginecologista marcado para
quinta-feira. Uma semana de espera...não morreria por aquilo, imagina. Eu
também não queria preocupar os meus pais. Terça, quarta...e os sintomas
persistiam. Lembro-me de vira e mexe mencionar que eu estava me sentindo
estranha. “Pessoal, não estou legal. Vou sentar, estou meio zonza. Estou com
falta de ar.” Mas passava e lá íamos nós para outra reunião. Vida que segue. Na
quinta eu, finalmente, iria a algum médico, mesmo que qualquer um. E lá se foi
a quarta-feira. Levantei na quinta, do mesmo jeito, e segui, de taxi, para o
Dr. Nilson. “Dr. além de ter vindo aqui para que façamos os exames de rotina,
eu também quero falar com o Sr. sobre umas coisas estranhas que tenho sentido.”
“Diga, Loraine.” “Pois é, desde quinta passada, tenho me sentido assim, assado,
meio estranha.” “Desde quinta passada e você só veio aqui agora? Por que você
não me ligou ou foi até o Einstein? Seu convênio é bom?” “O meu não, Dr.
Nilson, o do Luiz.” Só uma observação. “Bom, Loraine, pelo que está me
contando, você parece estar com sintomas de labirintite. Ela deve estar atacada
novamente.” Eu tenho mesmo labirintite, mas nem pensei nela. Engraçado. “Vamos
ver isso no exame.” E lá fui eu me preparar para ficar naquela posição
ridícula, constrangedora, de frango assado. Nós, mulheres, passamos por cada
situação ridícula. Que homem passaria por isso? A dedada deve ser muito mais
rápida do que o exame ginecológico, aposto. Em fin. Ele começou como de praxe.
“Braços para cima.” Apalpou os seios. Axilas. Pescoço. Gânglios. Pressão.
Batimentos. Ops. “Loraine, os seus batimentos estão a 135 por minuto e você
está em repouso. Você está se sentindo bem? Os batimentos normais de uma pessoa
jovem são de, mais ou menos, 80 por minuto. O que você tem não tem nada a ver
com labirintite. Pode ser o seu coração. Saia daqui e vá imediatamente para o
Pronto Socorro. Já faz uma semana que está assim. Pode ser algo sério.” “Tá
bom, Dr. Nilson, eu vou.” Ele terminou de me examinar, deu-me um monte de
exames para fazer e me mandou para o Einstein direto de lá. Eu havia levado uma
amiga minha, do Citi, para se consultar com ele também naquele dia. Saí da
minha consulta e contei a ela o que ele havia me dito. “Lô, vamos para o PS
agora.” Eram umas 11h30. “Não, Fabi, vamos almoçar no Shopping Vila Olímpia e
depois você me deixa no Einstein.” “Não, vamos agora, maluca.” “Não, depois eu
vou, vamos comer primeiro.” Ficamos discutindo, mas eu ganhei. Eu continuava me
sentindo estranha, mas não achava que estava com problema de coração e não
tinha a menor intenção de ir ao Einstein e ficar horas na fila, passar por todo
aquele perrengue no Pronto Socorro. Fomos para o Shopping, almoçamos. Enquanto
almoçávamos, eu só pensava na Laís. E se eu, de fato, estivesse com algum
problema? Era melhor que visse logo. Seria algo grave? Era melhor que fosse
para o hospital, por ela. “Fabi, vou ligar para o Luiz e dizer a ele que vou
para o Einstein. Você me deixar lá?” “É claro que deixo, Loraine.” “Leindo, fui
ao Dr. Nilson e ele disse o seguinte: blá, blá, blá, blá...” “Loraine, acabei
de pousar em Congonhas de BH. Estava pegando um taxi para ir a uma reunião em
Jundiaí. Vou cancelar a reunião e te encontro no Einstein. Você vai no da
República do Líbano?” “Vou.” “Estou indo para lá.” “Fabi, vamos. O Luiz está
indo me encontrar.” E lá fomos nós. A Fabi me deixou no PS. Cheguei antes do
Luiz. Fiz a ficha, aquela burocracia toda. “O que está havendo, quando você
pesa, quanto você mede, quem te mandou aqui, etc.” Nós começamos a ficar
preocupados quando nos mandam entrar pela porta dos fundos, sem sermos chamados
pelo médico, como os outros pacientes. “Dona Loraine, venha por aqui, o Dr.
Fulano já vai te atender.” Imediatamente, sem que eu tivesse tempo de me sentar
na sala de espera interna, o Dr. Fulano me chamou. “Dona Loraine?” “Sim, sou
eu.” “Acompanhe-me, por favor.” “Pois não.” “A Sr. está acompanhada?” Fiquei
mais preocupada ainda. “Meu marido está vindo para cá. Já deve estar chegando,
Dr.” “O que está havendo?” E eu contei tudo outra vez. “Posso te examinar? Não
sendo ginecologicamente, pensei. “Pode, claro.” “Você tem sintomas de labirintite?”
“Tenho sim.” “Você consegue fechar os olhos e fazer um quatro com as pernas?”
“Acho que sim?” Eu não estava bêbada. Só faltava o teste do bafômetro. Será que
eu estava bêbada este tempo todo e não tinha percebido? “Então, feche os olhos
e faça o quatro com as pernas.” Foi o tempo do Dr. me pegar no ar, caso
contrário, eu teria caído durinha. Zero de equilíbrio. “Dona Loraine, a Sra.
está com labirintite, isso é certeza. Vamos ver o resto. Sente aqui. O Luiz
chegou nessa hora. “Oi, Linda. Está tudo bem?” “Espero que sim. Leindo. Acabei
de quase cair.” E os exames começaram. Até que o Dr. chegou nos batimentos
cardíacos. “A Sra. está com 130 por minuto, em repouso. Consegue levantar
sozinha?” “Acho que sim.” “Venha aqui, acompanhe-me novamente. Apoie em mim se
precisar.” Tudo meio estranho. Será que eu estava ficando doente? E o Luiz
atrás da gente. O médico me levou para uma das salas e me pediu para deitar na
maca. “Dona Loraine, o coração da Sr. não está normal. Vamos ter que fazer
alguns exames, ok? Sangue, urina, eletro e tudo que for necessário. Não podemos
deixar a Sra. ir embora daqui sem que saibamos o que está havendo. Sabemos que
há um quadro de labirintite, mas ele não tem nada a ver com os batimentos
cardíacos fora de controle.” O Luiz me olhou, eu olhei para ele...a gente não
entendeu nada. Será que eu negligenciei a minha saúde? Aquilo tudo estava tão
estranho, meio surreal. De repente, um bando de enfermeiras entrou na sala. “O
Sr. se incomoda de sair um pouco?” O Luiz saiu. “A Sra. vai ter que tirar suas
blusas. Importa-se? Vamos ter que colocar esses eletrodos em você. Mas depois a
Sra. pode voltar a vesti-las, tá bom?” E me encheram de fios. Colocaram remédio
na minha veia. Eu tomei comprimidos. Voltei a me deitar. Vesti minhas blusas. Estava
com frio. O Luiz voltou para a sala. Esqueci de mencionar que durante todo o
tempo, desde que comecei a me sentir mal, lá atrás, naquela quinta-feira, senti
o meu coração disparar em várias ocasiões, mas nunca dei muita bola para o
fato. As moças saíram da sala. “Amore, que situação surreal, né? Logo comigo.
Eu nunca fico doente. Será que tenho algo mesmo? Não estou acreditando.”
“Calma, Leinda, de repente, não é nada. Vamos ver. Estão fazendo todos os
exames.” E passávamos um tempo se nos falar, refletindo. “Mas e se for algo?”
“Calma, Amore, não vai ser nada.” Sempre positivo o Luiz, sempre. E entra outra
enfermeira na sala. “Dona Loraine, vamos fazer o exame de urina? Eu te ajudo a
levantar.” Lá fui eu com aquele bando de fios. Meio fraca, fui ao banheiro, fiz
o xixi no potinho e voltei. Deitei novamente.
Agora, vamos para outra abstração. De acordo com um
artigo de 1998, do Today’s Surgical Nurse, a ideia dos jalecos coloridos nos
hospitais foi difundida, no começo do século 20, por um influente médico que
defendia que o verde e o azul eram cores mais confortáveis para um cirurgião
visualizar durante as cirurgias do que a abundância das diversas nuances do
vermelho. Antes disso, os jalecos eram totalmente brancos. Estas tais nuances,
segundo ele, são, na realidade, as cores complementares dos diversos tons de
azul e verde, ou seja, o vermelho e suas variações estão no extremo oposto do
azul e do verde no espectro de cores. E não é só isso. Segundo ele, o nosso
cérebro interpreta cores em sua relação uma com as outras e, olhando por muitas
horas para variações entre vermelho e rosa, o sinal dessas cores no cérebro
desvanece e o cirurgião pode correr o risco de ficar dessensibilizado com os
tons do vermelho. Então, olhar para algo verde ou azul, de tempos em tempos,
pode ajudar o cérebro a ficar mais sensível ao vermelho. Genial. Adorei.
Entendi que esta ideia dos jalecos ajudou as cirurgias a serem mais assertivas.
Depois do xixi e de ter voltado a me deitar, falei um
pouco mais com o Luiz. Estranhamente, eu me sentia mais fraca a cada minuto.
Tinha começado o dia melhor do que estava me sentindo naquele momento. De
repente, entra um enfermeiro, vestindo um jaleco rosa, no quarto. “Leinda, vou
ao banheiro.” “Tá bom.” Eu já tinha reparado nas cores dos jalecos do staff.
Tinha branco, verde, azul e rosa. Como eles não eram cirurgiões coisa nenhuma,
eu comecei a fazer uma associação com o nível hierárquico da turma. O Luiz foi
ao banheiro. O enfermeiro de jaleco rosa devia ser o mais junior. Ninguém mais
sênior usaria rosa. Usaria? Eu estava fraca. O junior começou a apertar as
pontas dos meus dedos da mão esquerda. Ele apertava e olhava para mim. “A Sra.
está se sentindo bem?” E a máquina começou a apitar. “Na verdade, não estou
não.” E apertava os meus dedos, e me olhava. “Moço, eu não estou bem, o que
está havendo?” Eu comecei a ficar preocupada. A cara dele não estava boa. E eu
não estava me sentindo bem. O Luiz não estava lá. E ele era junior. Não sei o
que deu em mim, mas o jaleco rosa não me caiu bem. “Moço, me ajuda.” “Calma,
moça, calma.” “Eu não estou bem...” “Calma.” E ele saiu correndo do quarto.
Como assim ele saiu correndo, pensei? Ainda pensei nisso, lembro-me. Eu fiquei
sozinha. “Socorro, eu vou morrer...eu vou morrer...eu estou morrendo, socorro,
eu estou tendo um ataque do coração, socorro, minha filha, socorro, eu vou
morrer, Luiz, eu vou morrer, socorro!!!” E tudo estava ficando preto. Eu estava
morrendo, ali, no quarto do Pronto Socorro do Einstein da República do Líbano,
sozinha, de ataque cardíaco. Eu só pensava na Laís, no Luiz...e chorava, e
gritava, pedindo ajuda. Lembro-me de ver um enfermeiro pleno, de jaleco verde,
entrando na sala, correndo, metendo o pé na maca, jogando a cabeceira para
trás...minha cabeça foi para trás numa velocidade grande...e foi isso, morri!!!
Tempos depois, num ato de renascimento, fui acordando, abrindo os olhos,
percebendo tudo em volta. Vi o Luiz. Estamos juntos na mesma vida de antes ou
seria outra? Reparei que havia uma sênior. Jaleco branco. “Leinda, essa daqui é
a Dra. Tatiana de Carvalho, ela é uma Cardiologista aqui do Einstein. Ela veio
te ver.” “Oi, Loraine, como você está?” “Não sei, vocês me dizem.” “Loraine,
está tudo bem.” “Caraca, o que houve?” “Por que aquele enfermeiro saiu
correndo, fugiu da sala? Acho que eu desmaie por causa dele, de susto? Eu achei
que estivesse morrendo.” “A gente percebeu.” “Loraine, você teve uma queda
muito brusca de pressão. Tenho quase certeza de que foi causada pelo Dramin que
estava em sua veia.” “E por que eu estava tomando Dramin? Eu nem sabia. Podia
ter sido qualquer coisa.” “Por causa das suas náuseas. Acho que o plantonista
te receitou Dramin por causa disso.” “Nossa, eu achei que estivesse tendo um
infarto.” “Um infarto, provavelmente, não teria sido assim, Loraine.” “Eu estou
bem?” “Aparentemente, está melhor, mas os seus batimentos ainda não estão
normais. Estão mais baixos por causa da queda brusca da pressão, mas isso não
significa que estejam normais. Você tem que fazer uma série de exames quando
for embora. Aqui é só um Pronto Socorro.” “Já posso ir?” “Daqui a pouco sim.”
Ficamos mais um pouco por lá e depois fomos para casa. Pegamos um taxi e
seguimos. Abraços, beijos, graças a Deus que eu estava viva, te amo, Deus te
manteve perto da gente, de mim, da nossa Laís, temos que ver o que você tem,
não pode ficar de bobeira, você trabalha muito, o seu trabalho é muito
estressante, aquela coisa toda. “Tá melhor? Tá melhor mesmo” “Tô?” “Então,
Loraine, diga-me...o que foi aquela gritaria toda: eu vou morrer...estou
morrendo...socorro...minha filha...alguém me ajude? Eu comecei a ouvir uns
gritos do banheiro e pensei – quem é a maluca que está gritando lá fora???
Quando saí do banheiro e vi que os gritos vinham do seu quarto, quase que eu
não volto pra lá. Achei que fosse brincadeira sua. Que maluquice. “Amore,
maluquice foi aquele doido apertando o meu dedo, olhando para a minha cara,
perguntando se eu estava bem e fugindo do quarto quando percebeu que eu não
estava. Maluquice é notar que na hora H, na hora do ADEUS, é você com você
mesma. Maluquice é ver que nem o enfermeiro junior, do jaleco rosa, pega a sua
mão e toca o seu coração na hora da passagem. Isso sim é maluquice...y otras
cosas mas. O que eu tenho do coração? Sabe Deus. Não acharam nada no meu check up. Talvez excesso de
amor, excesso de trabalho, coração grande, bom humor, falta de juízo, sei lá.
Não há de ser nada. Ainda vou durar muito...se Deus quiser.
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