Maratona de Comrades, a maratona da esperança!!!
Texto
escrito por Carlos Castro após ter recebido a medalha back to back - depois do
percurso subida da Maratona de Comrades, na África do Sul. Muito emocionante. A esperança de um homem.
O
que leva um ser humano a fazer isto?
Experimentei
a Comrades pela primeira vez no sentido subida neste ano. Ano passado já havia
percorrido o sentido descida de 89km que separam as cidades de Durban e
Pietermaritzburg. Estava lá em busca da medalha “back to back”, terceira
medalha para aqueles que completam esta prova dois anos consecutivos, nos sentidos
descida e subida.
Na
largada havia um clima de euforia e apreensão. Quando Shosholoza foi entoada
por todos, era o sinal de que em poucos minutos largaríamos para
Pietermaritzburg na corrida que é considerada a rainha das ultramaratonas.
Apesar
de estar bem preparado, foi difícil manter a confiança pois o corpo
descompensava com frequência. O primeiro grande desafio foi superar os
primeiros 30km de pura subida. Tive de imprimir um ritmo que me permitisse
avançar ao máximo no tempo sem sofrer muito desgaste físico. A preocupação era
o calor que a partir das 11h da manhã aplacaria os corredores no meio da
corrida. Às 11h30, já sob sol que começava a esquentar, já tinha percorrido
50km.
Há
uma grande estrutura de suporte durante todo o percurso. Há hidratação a cada
2km com água, energético, frutas e batatas. Me deparei com vários postos
médicos com ônibus bem equipados para socorrer aqueles que por algum motivo
tivessem de desistir da prova. Estes ônibus eram um verdadeiro oásis. Entrar em
um destes significaria fim de prova. Helicópteros sobrevoavam todo o circuito
para monitorar os corredores. Muitos fisioterapeutas estavam de plantão para
ajudar com massagens e serviços de pronto socorro. Em 90 anos de história,
houve apenas 8 casos de morte na Comrades.
Além
de levar meu estoque de suplementos, usei todos os postos para me hidratar.
Eram mais de 40 postos. Por 3 vezes utilizei os serviços de fisioterapia para
soltar um músculo ou outro que estava na iminência de travar.
O
sentido subida desta prova exige muito preparo. Há na prova 5 subidas fortes
conhecidas como “Big Five” em alusão aos 5 animais mais difíceis de caçar na
África. Quando havia percorrido os 50km de prova, já tinha superado as subidas
Cowies Hill, Field's Hill, Botha's Hill e Inchanga. A última subida a ser
vencida era a Polly Shortts, nos últimos 10km de prova que, por sinal, foram os
mais dramáticos para mim.
A
equipe na prova era formada por mim e pela Andrea. Ela dirigiu até os pontos
estratégicos para me ajudar com a suplementação adicional. Mesmo assim,
faltando 20km para concluir a prova, não conseguia mais ingerir absolutamente
nada. Sentia forte náusea até mesmo para beber água. A partir daí comecei a me
desidratar e ficar sem energia. Consegui avançar mais 10km quando pela primeira
vez parei. Até então havia corrido todo o tempo. Um corredor sul-africano, me
vendo naquela situação, parou para me ajudar. Me deu água com a qual me molhei
para me refrescar do calor. A torcida gritava para eu não parar pois faltava
pouco para terminar. A torcida esteve presente em todo o trajeto ao longo das
12 horas de duração da prova. É um dia de festa! As famílias se reúnem, fazem
churrasco, cantam e dançam. Mas acima de tudo, é um suporte extra, o oxigênio
que falta para que cada corredor consiga ir até o fim.
Diante
de tamanha torcida, ameacei voltar a correr e cambaleei por mais 7km quando
senti que desmaiaria. O problema era unicamente de alimentação. Apesar de
esgotado fisicamente, ainda tinha pernas para continuar correndo. Dei um gole
no que restava de uma mistura de proteína e carboidrato de rápida ingestão e a
partir daí, com muita náusea, caminhei por 2km. A torcida ao redor me empurrava
freneticamente. As frases de ordem eram “Carlos, you’re looking good”, “well
done, Carlos”, “just one km to go”, “keep walking”, "don’t give up”. Eram
pessoas de todas as idades.
Quando
um grupo de corredores, que tinha o Câncer como causa, passou por mim, me
juntei a eles e voltei a correr. Os acompanhei até o estádio quando avistei a
linha de chegada. Passei pela Andrea que estava aflita na torcida. Parei e
disse que estava tudo ok e que tínhamos vencido. Continuei até cruzar a linha
de chegada em 10h46 de prova. O tempo máximo para completar esta prova é de 12
horas. Durante o percurso ainda há mais 4 pontos de corte que elimina o
corredor caso ele não chegue a estes pontos até o horário estabelecido.
Já
com as 2 medalhas pesando no pescoço, cheguei até a tenda onde me reuni com um
pequeno grupo de brasileiros que também tinha completado a prova. Entre eles
estava o embaixador do Brasil na Comrades, o Nato Amaral, que estava
completando sua décima terceira Comrades. Quando você faz a Comrades por pelo
menos 10 vezes, você recebe o seu número definitivo e participa de um grupo
seleto dos “green numbers”.
Neste
ano a prova foi vencida por dois sul-africanos sendo o corredor Gift Kelehe na
categoria masculina com 5h38 e, na feminina, pela Caroline Wostmann com 6h12.
Quase
perdendo os sentidos, desabei na tenda. Fiquei por 1 hora a base de suco de
laranja. Lentamente fui me recuperando.
Quando
as pessoas me perguntam - o que leva um ser humano e fazer isto? A minha
resposta particular é: esperança.
A
partir do momento em que decidi enfrentar a vida e dar uma resposta à tudo de
precioso que “ela” me tirou, “ela” tem me dado tudo de volta simplesmente
porque decidi ter esperança. Esta decisão está gravada em uma tatuagem que mostra
uma fênix no centro envolta das palavras tribulação, perseverança, experiência
e esperança. Trata-se de trecho da carta de Paulo aos Romanos onde ele diz “Nos
gloriamos nas próprias tribulações, sabendo que a tribulação produz
perseverança; e a perseverança, experiência; e a experiência, esperança.”
(Romanos 5:3,4).
Ter
esperança significa enfrentar o ciclo que a vida lhe impõe diariamente e não se
resignar na tribulação.
Agradeço
a todos mais uma vez que torceram por mim. Em particular ao meu treinador
Belino Coelho e ao time campeão da Elite Assessoria Esportiva - São Paulo e em
especial à minha família.
A
medalha “back to back” é mais do que merecida pela Andrea que embarcou de corpo
e alma em mais esta aventura. Enquanto eu corria, a Andrea fazia sua maratona
particular para garantir o meu suporte do começo ao fim da prova. No ciclo da
vida descrito por Paulo, a Andrea é a minha “esperança”
Emoção e superação. Apesar de todo o aparato de apoio, 8 corredores já pereceram durante a prova. Uma lembrança para continuar correndo.
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