Relato 1 – um executivo em transformação mental


 

Tenho passado os últimos dois meses conversando com uma série de executivos, dos mais diversos segmentos, buscando entender suas trajetórias, sobretudo relacionadas aos anos de crise da COVID-19 e à retomada de suas vidas em todas as esferas.  

Minha curiosidade sobre a saúde mental e física de meus colegas, assim como a de seus familiares, times, fez-me ter acesso a muitos relatos extraordinários, para o bem e para o mal.

Ficou ainda mais claro pra mim que a pandemia trouxe mudanças na saúde da população, invadindo nossas vidas como somente tínhamos visto em filmes de ficção.

Assistimos ao mundo desfigurar em março de 2020 e com a mutação veio mais consciência de que a sanidade, definitivamente, ajuda-nos a fazer os ajustes necessários para lidarmos com as emoções, positivas ou negativas.

Mas nem todos conseguimos nos manter equilibrados, tendo sido jogados para dentro de nossas casas, obrigados a, de um dia para o outro, viver restrições de isolamento.

Logo veio a ansiedade excessiva gerada pela necessidade de sair do ambiente doméstico para fazer tarefas diárias e voltar a nos relacionar com outras pessoas.

Talvez isso tenha nos ensinado a ser mais gentis uns com os outros, mais empáticos, entendemos que o cuidado com a gente se refletiria no cuidado com os mais próximos, pessoas que mais amamos.

Ao mesmo tempo, o isolamento nos fez descobrir outras singularidades de quem morava com a gente e de nós mesmos e o Brasil atingiu um número excessivo em divórcios em 2021, chegando a mais de 80.500, recorde histórico.

Ficamos de joelhos frente aos impactos do inimigo invisível.

Ninguém ficou imune aos efeitos do Coronavírus. O custo foi muito significativo para todos. Foi como terminar um capítulo e deixar no passado o que um dia tínhamos vivido.

O bom é que um hábito não é uma necessidade e por isso somos capazes de nos transformar.

Ouvi muito isso em meus bate-papos com as pessoas. Embora muita angústia, também esperança.

Dentre tantos relatos, houve um que me chamou mais atenção.

Um executivo, considerado excepcional, descobriu que não tinha uma carreira tão brilhante quanto imaginava.

No isolamento, correu atrás do prejuízo e leu pilhas de livros que tinham ficado pra trás.

Nem só de livros refestelou-se. A internet também foi uma grande aliada.

Segundo ele, assistiu a Teds atrás de Teds, séries e filmes.

Era como se conseguisse, naqueles momentos, esquecer o que estava acontecendo no planeta.

Ele mencionou um Ted Speaker chamado Larry Smith, professor de economia da Universidade de Waterloo, no Canadá, e um dos seus ted talks de 2015.

Segundo esse meu colega, o Larry, assim como a pandemia, fizeram sua vida mudar.

O economista inicia a palestra, afirmando que as pessoas irão falhar em ter uma carreira brilhante se não encontrarem e usarem sua paixão.

Larry diz que damos um monte de desculpas para não corrermos atrás daquilo que nos tornaria realmente felizes. Achamos que só gênios vão atrás de suas paixões e conseguem suceder ou que para sermos felizes trabalhando com o que gostamos temos que ter muita sorte. E assim ele vai falando e deixando a plateia em polvorosa.  https://www.youtube.com/watch?v=qrNDkRHAA4E

Esse executivo ficou mexido. Ele realmente acreditava que era feliz, mesmo sem tempo para ler, se exercitar, assistir a filmes, ficar com seus filhos, mais próximo de sua esposa, de seus pais já idosos, mas acima de tudo, mesmo sem fazer o que ele realmente gostava.

O que mais o assustou após a Ted foi realizar que ele não tinha a menor ideia de qual era sua paixão.

“Foi assustador nunca ter parado para pensar nisso.” Suas palavras para mim.

O cérebro no piloto automático por ser saudável, trazer prazer, mas, no geral, ele nesse estado só nos faz repetir hábitos que viraram repertórios emocionais da nossa história de vida.

“A indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão; a coragem a muda-las.” Santo Agostinho.

Meu amigo teve coragem. Teve que ter.

Perdeu sua mãe para a COVID-19. Divorciou-se no início de 2021. Mudou de casa. Foi morar sozinho.

Ainda isolado, já que a empresa para a qual trabalhava demorou para definir os protocolos da retomada mesmo entre os cargos mais altos, não tirava da cabeça a busca por identificar sua paixão.

Parece uma história tão clichê hoje, considerando os novos tempos, pessoas que tiveram que reaprender a viver, atuar mais no coletivo, rever valores e mudar o que era praxe.

Pode sim até parecer trivial, mas considerando que estamos falando de um alto executivo de uma grande empresa global, que assinava em nome da organização, pessoa de hábitos arraigados, estabelecidos na memória, nos costumes e na cultura da nossa sociedade, não foi uma ação ordinária.

Ele pediu demissão antes mesmo de saber seu próximo passo.

“Coragem ou determinação?” Eu perguntei.

“Necessidade!” Sua resposta.

“Se ainda tenho, e espero ter, mais uns 30 anos pela frente, não quero vivê-los sem que eu tenha um propósito.”

“O cenário adverso provocado pela pandemia nos fez, executivos, quebrar resistências. Por que, então, não quebrar a minha resistência mental?” Ele me disse.

Certo dia, um primo próximo, mas distante há anos, convidou-o para uma viagem inusitada.

Eles são filhos de mães que eram irmãs. A dele havia falecido há pouco tempo. Sua tia estava muito abalada com isso. Os dois tinham vivido a infância e a adolescência juntos, inseparáveis. Porém, a vida adulta aliena, separa as pessoas. Deixamos de respeitar as diferenças. Seu primo não tinha seguido seus passos e isso os afastou.

“Vamos fazer uma viagem e voltar à cidade onde nascemos?” Esse foi o convite do seu primo.

Meu amigo executivo, nessa época, estava em depressão, tomando remédios controlados, vivendo e dormindo à base de ansiolíticos. Não tinha mais mãe, esposa, os filhos estavam longe, não tinha mais emprego. Mesmo assim, aceitou o convite, que veio no começo deste ano, 2022.

Ambos nasceram em outro estado, no sul do país. E pra lá foram de carro, parando em cidades ao longo do percurso. A ideia era recordar a infância e reviver a melhor fase da vida. 

Em uma das paradas, conheceram um grupo de pessoas, de passagem também. Eles eram da UNESCO. Franceses, brasileiros, japoneses e portugueses juntos com o propósito de contribuir para a paz e segurança no mundo por meio da educação, ciências sociais e humanas, naturais e comunicação. Viajavam há anos pelos países, alfabetizando crianças, formando professores, promovendo a liberdade de imprensa, diversidade cultural, literatura, preservação dos direitos humanos. A missão do grupo era contribuir para a consolidação da paz, erradicação da pobreza, desenvolvimento sustentável e assim por diante.

Esse executivo se aproximou do grupo. Lembrou-se de que a empresa onde trabalhou por anos era associada a essa marca global. Ele, pessoalmente, nunca tinha se envolvido muito com o tema, mas se lembra de ter aprovado a associação em uma reunião de conselho.

Segundo ele, mal tinha tempo para administrar seu dia-a-dia...que dirá da UNESCO.

Cutting a long story short...ele hoje faz parte desse grupo. Mudou-se para Portugal em março e lá reside às vezes, quando não está em missão.

Muito cedo para dizer que esse executivo ferrenho tenha achado sua paixão?

Acho que não. Após nossa conversa, tenho a certeza de que se encontrou.

Seus filhos, já adolescentes, foram com ele para Portugal e lá estão terminando o ensino médio.

Sua ex esposa se mudou para lá também. Embora separados, vivem bem como amigos. Ela fica com as crianças quando ele está viajando.

Seu pai também foi para lá e hoje mora perto da família, que não via há anos, no Porto.

Como se sustentam?

Montaram uma padaria, uma casa dos cacetes, em Lisboa com o dinheiro acumulado e não gasto aos longo de seus anos como executivo. Sua ex esposa a administra e tem o apoio de seu ex sogro.

Ele, por sua vez, já alcançou um “cargo” de alta autoridade na UNESCO, revisando suas diretrizes políticas e participando de missões pela África e América Latina, resgatando, com seus pares, a história Afro-Latina. Essa tarefa procura realçar a singularidade dessa cultura numa outra perspectiva.

Ele está feliz? Achou sua paixão?

Eu diria que sim.

Está conseguindo voltar aos padrões de concentração no trabalho e nos estudos, sinal de que a depressão está indo embora.

Sente saudades da sua antiga vida?

Só se arrepende por não ter mudado antes.

A transformação foi fácil?

Como toda a mudança, difícil, mesmo as positivas. Manter uma certa zona de conforto é uma tendência do ser humano.

Como está lidando com isso?

Como se estivesse começando a viver...cheio de perspectivas positivas.

Essa história me marcou. Pena que vocês, leitores, não tiveram a chance de ouvi-lo falar. Foi muito mágico e especial. Tentei reproduzir a narração da melhor forma.

De qualquer maneira, assim como pra mim, espero que esse relato encha suas vidas de positividade e esperança.

É assim que ele vive agora: de forma positiva, com propósito e cheio de esperanças.

Que a pandemia tenha nos transformado tanto a esse ponto.

Até a próxima.

Comentários

  1. Que relato espetacular, Loraine! Como é difícil enxergar os verdadeiros desejos que moram no recôndito de nossa alma. Um exemplo a ser seguido.

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