Afinal, tem problema dormir na cama dos pais???
Há pouco tempo, ainda ouvia
meu marido dizer..."nunca vemos casos de adultos que dormem com os pais, que
chupam os dedos ou que usam objetos transicionais...deixa ela com a gente.
Aproveite. Só temos mais seis anos até que ela vire pré-adolescente. Daqui a
pouco, ela não vai mais querer saber de nós.
Por instinto, excesso de
informação, de zelo, leituras prévias, não importa, nós, pais, sabemos que não
devemos colocar o bebê, quando chega da maternidade, em nosso quarto. Na cama
do casal então, nem pensar.
Minha mãe mesma sempre se
vangloriou ao dizer..."eu nunca coloquei vocês no meu quarto, nunca."
Muitos não o colocam porque
alguém disse que não é bom, nem para os pais nem para a criança. Outros seguem
nessa linha por terem lido toda uma biblioteca pré-natal sobre o tema. Outros
nem sabem por que o fazem. Talvez por serem, invejavelmente, desprendidos.
Enfim, há tantos PhDs no
assunto. Basta colocar a questão nas Redes Sociais e uma avalanche de respostas,
imediatamente, vem. A outra opção é soltar o assunto em uma roda de amigos. Um
é mais doutor do que o outro no tema.
É fato que o instinto
materno, em muitos casos, tende a falar mais alto do que todo esse conhecimento
tácito. Digo tácito, pois é de impressionar a sapiência que nos acomete no
momento em que nos tornamos pais. É como se tivéssemos adquirido essa
consciência ao longo de toda uma vida. E a dos palpiteiros então? O
conhecimento deles sobre a maternidade e a paternidade alheias é inerente às
suas habilidades. Chega a ser incrível.
E muitas mães, geralmente
elas e não os pais, ansiando pelo cuidado desse novo ser, acabam colocando sim
a criança em seus quartos e até mesmo em suas camas, imaginando assim que
garantirão a segurança de suas crias.
Não há regras. Nenhum casal
vai preso por manter seus filhos em sua cama, nem mesmo se, ao fazerem isso,
sufocam-nos e os matam. Não entendo muito sobre leis, mas acho que, em casos de
fatalidades como essas, a questão é tratada como homicídio culposo. Quem, em sã
consciência, mataria um filho?
Minha filha fará sete anos
em menos de dois meses. Há exatos seis anos e dez meses, ela dorme na nossa
cama. Na realidade, ela dorme em sua cama. A cama nem é mais nossa. Eu sempre
brinco ao dizer que, quando temos um filho, a nossa vida não nos pertence mais.
Em nosso caso, nem a cama.
Eu não diria que a
colocamos lá, entre nós, por medo de que não estaria em segurança em seu berço.
Tampouco pensamos na questão da asfixia quando resolvemos aninhá-la entre nós.
No início, o pretexto foi
sua falta de sono. Suas inquietações, diurna e noturna, não a deixavam dormir.
E nós não aguentamos o tranco.
Passarmos madrugadas e mais
madrugadas perambulando pela casa não foi algo suportável para nós.
Unindo-se a isso, a nossa
falta de preparo psicológico e pouca paciência, estava a nossa total ignorância
sobre a constituição do ser humano e de seu aparelho psíquico e o percurso pelo
qual essa formação se dá.
Nos tornamos menos
ignorantes ao longo do tempo e tentemos reverter a situação?
Menos ignorantes sobre a
temática estamos hoje e sim, tentamos, mesmo que insipientemente, retroceder.
Contudo, recorrendo ao
texto de Freud "Repetir, Recordar e Elaborar", era como se
estivéssemos ambos em um tratamento psicanalítico. Não deixávamos de ter a
compulsão à repetição do nosso comportamento. Atuávamos sem saber que estávamos
repetindo. Nos tempos de hoje, julgo que, por meio da nossa repetitiva conduta
com a Laís, deixado-a dormir conosco todas as noites, estávamos tentando
superar nossas próprias resistências, tentando tornar consciente o nosso
inconsciente.
E a consciência veio. A
elaboração se deu. Por isso até escrevo esse relato.
Sempre tínhamos a resposta na
ponta da língua sobre o assunto.
·
Ela
nunca dormiu bem, nem de dia nem de noite. Quando está conosco na cama, ela
dorme bem e nós também.
·
Nós
nunca gostamos de ter pessoas em casa com a gente, sobretudo dormindo no quarto
ao lado, então, preferimos cuidar de tudo sozinhos.
·
Aos
finais de semana não podíamos imaginar ter alguém como sombra. Andar pra lá e
pra cá com mais uma pessoa que não somente nós três? Fora de cogitação.
·
Quando
podíamos ter ajuda, para descansarmos um pouco, preferíamos liberar a pessoa
que nos ajudaria.
Certamente, o espaço do
casal não sem mantém com o nascimento de um filho, não como antes. Por que
então o espaço de cada indivíduo da parelha se manteria?
Nós não queríamos mais superfícies
nossas preenchidas. Já estavam completamente tomadas por nossa filha, pela nova
vida que se impunha e pela necessidade premente de reorganização das nossas
rotinas. Não queríamos mais ninguém no meio disso.
Optamos por fazer desacompanhadamente.
Não por querermos ganhar a medalha de super- pais. Não por isso. Mas pelo que escrevi
acima, por sermos cenobitas.
Sempre, apesar de tudo, foi
melhor fazermos sozinhos do que termos gente em casa dia e noite, ocupando o
restinho das nossas identidades individuais.
Por dois anos e meio, ela
não nos deixou dormir. Nós nos revezávamos para podermos ter condições mínimas de
trabalhar no dia seguinte. Quando ela fez seis meses, eu tinha acabado de mudar
de emprego. Tivemos uma ideia genial. Trocamos a nossa cama por uma maior. Foi
a solução dos nossos problemas. Ela continuou a dormir, esplendorosa, em sua
nova cama box e nós dois nem nos encontrávamos. Era cada um por si e noites mais
suportáveis. Acordávamos com menos indisposição para enfrentarmos o dia.
E dessa forma, a nossa
maneira, nós a mantivemos em nosso espaço, ocupando a nossa cama e um outro
lugar subjetivo na família, que não era o dela. Afinal, por que os adultos
dormem juntos? Há de haver uma razão.
Se tentamos tirá-la de lá
em algum momento ao longo desses anos?
Em muitos momentos. Quando
éramos apedrejados pelos PhDs, tentávamos ainda mais, com mais entusiasmo. Só
não usamos o novo método nana, nenê, pensado por um amigo meu, um taco de
baisebol na cabeça da criança para ver se ela dormia mais rapidamente e durante
a noite toda. Não chegamos a isso. Mas oferecemos a Laís, por duas semanas,
para os mestres em fazer crianças dormir a noite toda. Não aceitaram. Queríamos
que eles nos ajudassem a colocá-la nos eixos e a devolvessem pronta. Ninguém
topou. É mais fácil cuspir crenças do que exercer funções.
Afinal, tentamos tudo que
estava ao nosso curto alcance, todavia não com muito afinco. Essa é a leitura
que hoje faço. Foi mais fácil deixá-la lá. E o ciclo passou muito rapidamente.
No começo do texto, escrevi
que, até há pouco tempo, ouvia meu marido dizer para não nos estressarmos tanto
por ela continuar em nossa cama. Ele sempre disse que tínhamos que aproveitar.
Mas suas reflexões mudaram
de uma época para cá.
Ambos somos estudantes de Psicanálise.
Do início das nossas aulas pra cá, aprendemos tantas coisas a respeito do ser
humano que, se pudéssemos, voltaríamos atrás em muitas, sobretudo nas que dizem
respeito à criação da nossa filha.
Como diz o Luiz, meu esposo..."todos
os aspirantes a pais deveriam estudar Psicanálise."
Dormir ou não dormir na
cama dos pais nem deveria ser uma questão. Deveria ser não e ponto. Mas não apenas
porque os bebês podem morrer sufocados ou porque os pais estreitam sua relação
ao dormirem juntos, só os dois, e são impedidos de fazer isso quando há um
filho entre eles. Não apenas por isso.
Sobretudo por causa das
consequências dessa ação na estrutura psíquica do indivíduo. Que relação simbiótica
é essa entre mãe e filho ou entre pai e filho que faz necessária a divisão do
espaço de intimidade, inclusive sexual, dos pais com os rebentos?
O Complexo de Édipo,
instituído por Freud como uma fase universal na infância do sujeito, em que há
uma triangulação na constituição familiar, define a estrutura psíquica do
indivíduo.
Em determinado momento de
sua infância, a criança se identifica com um dos progenitores. Como fazer isso,
ocupando um espaço que não é designado para ela?
Ao demandarem dormir na
cama entre os pais, constroem a fantasia de separá-los para aproveitar dos
carinhos e dos cuidados exclusivos de um deles.
Falar da sexualidade
infantil e da rivalidade presente no Complexo de Édipo deveria ser mais fácil
nos dias de hoje, devido a toda a evolução da sociedade, mas não é. São poucas
as pessoas que aceitam falar sobre o assunto ou mesmo ler sobre ele.
Essa erudição faz falta.
A nossa própria passagem
pelo Édipo interfere no modo como lidamos com os nossos filhos.
O fato é que passar por
essa fase de maneira saudável é fundamental para a formação da personalidade do
adulto e do desejo humano. O Complexo de Édipo é o principal eixo de referência
da psicopatologia.
A criança tem que entender
que o pai e a mãe têm uma vida além da relação com ela. Na hora de dormir, portanto,
os pais devem levar o filho para adormecer no próprio quarto e voltar para o
quarto do casal. Ceder à insistência e deixar que ela durma entre eles vai
fazendo com que a criança saia do universo infantil e vá indo para o mundo
adulto.
E nós, pais, temos a obrigação
de chamar o miúdo para o nosso lado e não o de irmos para o lado dele.
A correta resolução do
Édipo, que apenas ocorre se houver a intervenção dos pais em conter a
necessidade de atenção que a criança desenvolve, é fundamental para que os
pequenos cresçam e tenham uma saúde emocional desenvolvida.
Vale ressaltar que essa
teoria de Freud, como toda teoria, apresenta controvérsias. Meu propósito com o
texto não foi entrar no detalhe das teses de Freud, nem de seus discípulos.
Tanto que não o fiz.
São necessárias leituras
muito cuidadosas sobre tudo isso. Sugiro aos pais de primeira viagem e até aos
pais velhos ou velhos pais...por que não...que o façam.
Meu objetivo foi apenas
relatar essa parte da minha história e mostrar que a ignorância é uma dádiva
que pessoas comuns têm. Mas as poucas que têm a capacidade de indagar carregam
consigo um infortúnio, que é para parcos, mas só para os que buscam
conhecimento.
Há quem discorde de mim e
ache que temos mais é que aproveitar nossos filhos em nossos ninhos até que
eles decidam não mais lá estar.
Quem sou eu para discutir
com quem discorda de mim sobre isso. Sou zero mestra no assunto. Mas hoje
sinto-me menos ignorante, então, pelo menos, tenho a minha opinião.
Texto perfeito!
ResponderExcluirMeu filho dormiu em minha cama até os 6 anos e eu ouvia críticas até do pipoqueiro.
Usou fralda até os 2 anos e 7 meses e me chamavam de incapaz.
Dormia de luz acesa até os 12 anos e eu era a pior mãe do mundo nos olhos dos PhDs.
Um dia disse: hoje vou dormir na minha cama. Nunca mais voltou para a minha.
Num outro, milagrosamente, tirou a propria fralda e informou: vou fazer no banheiro. Nunca fez xixi nem coco na cama ou roupas.
E finalmente apagou o abajur e comentou algo por economizar luz. A casa passou a dormir na escuridão.
Nunca quis estar certa. Apenas que ele estivesse bem. E ele estava. E está.
Sobreviveu e cresceu.
Amei seus textos. Beijo pra vc!
Esse texto é uma libertação.
ResponderExcluirEsse texto é uma libertação.
ResponderExcluirLô, mto legal seu texto. Criança chora quando é contrariada, nem por isso a ordem dos pais é ruim para a criança. Cada criança tem seu jeito. Sem radicalismo, sem grosseria, com amor mas com firmeza todo pai e mãe tem que preservar o mais importante: o amor familiar. Não confundir com moleza de autoridade ou condescendência à insubordinação. O amor é a resposta. Se fica ou não na cama, é decisão de cada um. Se incomoda aos pais, então algo tem que ser feito. Seja qual for o sentimento dos pais, naturalmente o local de dormir vira um hábito, e depois é mais difícil cortar o cordão. Mas um dia a maturidade chega, seja para os pais, seja para os filhos. Como a infância define vários padrões de caráter, não estranharia se o filho que ficou na cama tenha algum grupo de comportamentos comuns a outros que ficavam na cama. Não sei o que seriam esses comportamentos, talvez maior dependência de atenção de pessoas ao longo de sua vida, até que também perceba que pode ser feliz sem tê-la. Um novo cordão umbilical a ser quebrado, talvez. Não sei. Na dúvida, meus filhotes não ficavam em minha cama, com raras exceções, afinal pra que radicalizar? bjs!
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