O noctambulismo e a samambaia centenária!

Nasci no Hospital e Maternidade Santo Antônio do Tucuruvi Ltda., lá na Zona Norte de São Paulo. Em 1974, ano do meu nascimento, meus pais moravam em frente a essa maternidade...fazer o que? Mas parece que deu tudo certo...estou aqui. No dia 4 de fevereiro, precisamente, às 4h45 da manhã, a bolsa estourou. Saíram os dois, aspirantes a pai e mãe, a pé, rumo ao Hospital. Dez minutos depois do rompimento da bolsa, vim ao mundo...às 4h55. O obstetra da minha mãe não chegou a tempo, é claro. Quem, então, fez o meu parto, a minha mãe, ela mesma, ou a minha mãe com a ajuda do meu pai? Sim, porque das 4h45 às 4h55, quem, além dos dois, teria tido tempo de ter me trazido ao Tucuruvi? Sei que eles conseguiram a ajuda de uma parteira, que, por algum motivo, estava dando sopa no Santo Antônio naquele dia, mas, basicamente, o serviço foi feito, integralmente, quase que a sangue frio, pela minha querida mãe, coitadinha. Enfim, nasci...uma Aquariana com ascendente em Aquário. Um ser humano que, simplesmente, não foi feito para o cotidiano...dito como frio e distante...pessoa que nasceu para revolucionar o mundo e seu tempo...blá, blá, blá do Google. Bom, acontece que essa história não é sobre mim e sim sobre o meu irmão caçula e único. Eu só detalhei um pouco mais o meu nascimento porque, de tão, nitidamente, dolorido que ele foi para a minha mãe, custa-me acreditar que ela tenha querido ter outro filho. E o pior é que quis. Três anos e seis meses depois, veio ao mundo o Leandro. Ele, mais fino, já nasceu na Zona Sul...no Hospital do Servidor Público Estadual. Não tão fino, vai? O parto dele? Foi pior do que o meu. Nasceu prematuro e ficou na incubadora por quase dois meses. Minha mãe? Teve infecção hospitalar. Conclusão? Os dois, nesse último parto, quase morreram. Lembro-me bem dessa época e de até ter ido visitar a minha mãe, com o meu pai, no Servidor. Depois do meu irmão? Não, a minha mãe, sã, não quis mais ter filhos. Que bom, pois os meus pais não teriam conseguido espaço para mais um par de sapatos no pedaço de carpete lá da escada que dava para os quartos da nossa casa. Acompanhem. O meu pai, mais dissoluto, foi, aos poucos, tentando trazer a minha mãe para a Zona Sul. No final, conseguiu. Enfim, lembro-me bem da casa onde passei, dos meus 38, pelo menos, 24 anos. O Leandro, praticamente, nasceu e foi para lá. Nem se lembra do outro bairro. Eu ainda tenho meus flashs do lugar. Essa casa, onde moramos quase que a vida toda, era um sobrado, geminado, que ficava perto do Aeroporto de Congonhas. Eram três andares de casa. Os três quartos e dois banheiros ficavam em cima, as salas, o lavabo a garagem e a cozinha no andar do meio e no último andar, lá embaixo, ficavam o escritório e a lavanderia. A escada, que dava para os quartos, saia da sala de jantar. Os degraus eram de mármore branco. Visualizem. Ela era uma escada semi caracol. A curva, para quem descia, não era mega acentuada, mas dava uma viradinha para a esquerda. Para que isso fosse possível, tinha um degrau, que devia ficar bem no meio do caminho, mais largo. Nessa parte mais larga, minha mãe tinha uma vaso, um ultra vaso, aliás. Nele havia uma planta. Lembro-me, como se fosse hoje, de sempre ter que desviar desse vaso para chegar ao piso de baixo...ou de cima...dependendo de para onde estava indo. Pensando bem, acho que ele era um tanto quanto desproporcional. O pé-direito, isto é, a distância entre esse degrau, sensivelmente, alargado e o teto, era bem alto. De lá de cima, bem lá do alto, vinha uma samambaia. Considerando seu tamanho, já naquela época, imagino que deva ter sido plantada no final de 1885. As duas plantas, praticamente, encontravam-se...e isso tudo acontecia no meio da escada, de mármore branco, da nossa casa. Outro detalhe. No penúltimo degrau, de quem subia para os quartos, havia um pedaço de carpete. Um pequeno tapete, vai? O piso, lá dos quartos, era de carpete, bege, exceto o dos dois banheiros...que bom. Acho que aquele pedaço de carpete era uma sobra que a minha mãe mantinha ali no degrau. Coisas da Dona Isabel. Além de termos que limpar os pés naquele “tapetinho”, tínhamos que, sem choro nem vela, deixar nossos sapatos, chinelos, fosse lá o que estivéssemos calçando, naquele espaço...de preferência, em cima daquela mini alcatifa. Só podíamos pisar no carpete, bege, usando meias ou sem sapatos. Vamos lá então...resumindo...escada semi caracol, de mármore branco, saindo da sala de jantar, levando-nos aos quartos...no meio da escada, um vaso de planta bem grande, do qual tínhamos que desviar para chegarmos aos nossos aposentos...vinda do teto, em direção à planta, uma samambaia centenária...quase chegando ao piso de cima, dos quartos, no penúltimo degrau, havia um pedaço de carpete onde tinham que ficar, estacionados, pelo menos, quatro pares de sapatos. Qual a chance de ter dado merda ao longo dos anos? Bem grande. Duas, pelo menos, que eu me lembre, deram...uma delas, com o meu pai, que tropeçou nos sapatos, no topo da escada, enroscou-se no carpetinho e rolou escada abaixo...a outra, pasmem, não teve nada a ver com o cenário, mas, pelo menos, serviu para que ele fosse mudado. Numa certa manhã, como de costume, a minha mãe nos acordou, bem cedo, para que nos aprontássemos para a escola. Era um ritual matutino dela. Ela passava no quarto do meu irmão, que ficava, subindo a escada, à direita, grudado nela, e seguia para o meu quarto, que também ficava para o lado direito, mas mais para o final do corredor, depois do nosso banheiro. Bom, ela fez o que fazia todos os dias e foi terminar de se arrumar. Eu devia ter uns onze ou doze anos na época. O meu irmão, então, tinha sete ou oito. Eu ainda estava deitada, espreguiçando-me, quando, do nada, apareceu um sonâmbulo, descabelado, em meu quarto. Meu irmão, com os olhos fechados e com os braços erguidos, para frente, imitando mesmo alguém que estivesse sob o efeito do fenômeno, foi até mim, deu-me um beijo e saiu do quarto, do mesmo jeito que entrou. É claro que ri. Sabia que ele estava brincando. Foi divertido. Comecei a me mexer para levantar, para conseguir usar o banheiro antes dele. De repente, o pior aconteceu...um barulho descomunal...algo de grave tinha acabado de ocorrer...saí correndo do meu quarto...olhei para frente e vi os meus pais, desesperados, olhando para baixo, na direção da escada. Fui até lá. O meu irmão tinha rolado escada abaixo...a cena era horrível. Ele chorando, a minha mãe berrando, o meu pai arrumando os pares de sapatos no tapetinho, eu chorando, rindo, não entendendo nada. Bom, para encurtar, nada aconteceu com o meu irmão, que se safou por pouco. Mas o vaso da minha mãe se foi...a samambaia também caiu lá de cima. Uma planta tava grudada na outra, lembram-se? Sabem o que o doido do meu irmão fez? Ao invés de, ao ter me dado o beijo e saído do meu quarto, ter aberto os olhos e voltado para o seu quarto como um ser acordado, pois, de fato, ele estava acordado, ele fez sua trajetória, até seu quarto, fingindo continuar sonâmbulo. Com isso, em vez de entrar em seu quarto, “entrou” na escada...e foi por ela abaixo, sendo amparado, ou parado, por assim dizer, pelo vaso. Lembrando que o sonambulismo é um fenômeno intrigante. A pessoa pode estar inconsciente e ainda assim coordenar os movimentos dos seus membros. Vejam. O Leandro não estava inconsciente, pois não estava e nem é sonâmbulo, e, mesmo assim, não coordenou os movimentos dos seus membros inferiores. Muito maluco. Foi por pouco, hein? O fato é...com esse episódio ocorrido em nossas vidas, conseguimos eliminar o vaso do meio da escada, isto é, conseguimos fazer com que a minha mãe não o substituísse, pois eliminado ele foi pelo Leandro na queda, conseguimos ter uma samambaia sem a aparência de uma palmeira imperial...entretanto, contudo, mesmo com todo aquele acontecimento, a alcatifazinha continuou lá...não teve jeito. A sorte mesmo foi não termos tido mais irmãos...onde seriam colocados os outros pares de sapatos? No mínimo, teríamos tapetinhos espalhados por mais degraus, pois pisar de sapatos no carpete bege...nem pensar!!!



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